Para comentar esta obra, lanço mão de um dizer proustiano: muitas catedrais permanecem inacabadas. Há nele uma espécie de paradoxo. Afinal, como é que obras do porte e da beleza de catedrais poderiam permanecer inacabadas, sem que deixassem de ser reconhecidas como catedrais? Acontece que podemos considerar que o trabalho de construção é interminável e que isso não impede a magnitude da obra. O inacabado a constitui. É o que se reconhece neste livro de Marlene Guirado: uma catedral em obras. E é no inacabado que se revela o árduo trabalho da escritora para não se curvar à lógica da evidência e da completude. O pensamento de Marlene Guirado é um dos mais sólidos e consistentes da psicologia no Brasil. Ao operar nas fronteiras do psíquico, ela dá um passo na direção de pensar o sujeito da ação, da palavra e da história, na perspectiva de uma singularidade, que só se pode assim dizer, porque está matriciada em relações que se fazem/vivem como significativas, desde o berço, vida a fora, diria ela. Esse é o pano de fundo da densa discussão apresentada neste livro em que se organiza um campo conceitual, um certo dispositivo metodológico para produzir psicologia. As dificuldades sobre as quais se equilibra esse campo, assim constituído, dizem respeito à complexa passagem de uma análise do discurso para uma analítica da subjetividade. Nesse caminho, a autora enfrenta o ponto mais delicado de seu trajeto. Mas, é exatamente de tal desafio que nasce, de forma inovadora, o especifico da interface, ou seja, a psicologia e seu exercício como análise institucional do discurso. É com esse percurso de pensar e escrever que se reconhece no trabalho de Marlene Guirado uma catedral. Que permanece em obras, por intenção e método. Então Mãos à obra!