No Haiti insurgente, as ruas tinham barricadas, os rios estavam secos e as plantações de cana, que tornavam a região famosa no período colonial, haviam sido queimadas na revolução de escravos que tornou o país independente da França. Os blindados manobravam com dificuldade pelas ruas estreitas, desviando-se de montanhas de lixo que chegavam a atingir a altura de um homem. Não havia coleta na cidade e o problema sanitário passou a ser usado como instrumento de guerrilha pelos rebeldes e por gangues que operavam na região". O trecho, extraído de Haiti, do jornalista Luís Kawaguti, revela o cenário de caos que a região enfrentava quando as tropas brasileiras foram enviadas ao país em missão de paz. Uma insurreição armada irrompeu no Haiti no início de 2004, resultando na renúncia e no exílio do então presidente Jean-Bertrand Aristide. Para evitar uma guerra civil, em 1º de junho de 2004, soldados brasileiros chegaram à cidade de Porto Príncipe, capital do país, para formar a força principal da recém-nascida Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, a Minustah. O livro da Editora Globo surgiu a partir das viagens que o jornalista fez para presenciar o cotidiano das tropas brasileiras, que viraram reportagens publicadas nos jornais Diário de S. Paulo e O Globo. A publicação aprofunda o conteúdo das matérias e ainda mostra o quanto o Brasil influi nas vidas dos oito milhões de hatianos seja por canais diplomáticos, militares ou culturais. Traz depoimentos inéditos de rebeldes e de militares brasileiros sobre supostos casos de espancamento durante interrogatórios e abusos de violência contra haitianos. Narra também os combates e estratégias militares que fizeram da ocupação brasileira na capital haitiana um exemplo de operação de paz bem-sucedida realizada pelas Nações Unidas. Luís Kawaguti relata a sucessão de acontecimentos que, em pouco mais de dois anos, levaram uma nação do caos social e político ao processo de redemocratização, iniciado com a eleição de um novo presidente. Para compreender a complexidade da situação do Haiti e, conseqüentemente, da missão da ONU, o autor faz uma passeio pela história do país. Aborda desde a sua descoberta na primeira viagem do navegador Cristóvão Colombo à América, em 1492, passando pela revolução de 1804, que libertou o Haiti da França, e pelos 28 anos extremamente violentos da ditadura de Duvalier. O jornalista não se atém aos fatos históricos e políticos. Faz um panorama do sistema educacional, sanitário e de transporte do país. Além de revelar aspectos da cultura haitiana: "a responsabilidade sobre a família no Haiti é sempre da mulher". Mostra de que maneira a religião católica, professada pela maioria da população, convive harmonicamente com os rituais de vodu. O livro configura-se como uma rica fonte de informações, pois o autor conheceu de perto tanto as dificuldades quanto o trabalho dos militares brasileiros. Narra, detalhadamente, operações importantes das tropas da Onu, como as realizadas em Bel Air, a maior favela de Porto Príncipe. Revela quais os diversos problemas enfrentados, desde o desarmamento da população até dificuldades logísticas, como o alojamento das tropas brasileiras. A publicação reúne histórias de soldados, oficiais, diplomatas, intérpretes, funcionários da ONU, líderes comunitários, políticos e haitianos comuns. A conversa com Samba Boukman, um dos líderes mais influentes na favela de Bel Air, revela a importância da presença brasileira e do trabalho realizado em solo haitiano. "O Brasil e o Haiti são países que vivem juntos. Todo haitiano ama o Brasil, são loucos pelo Ronaldo; todas as nações (que servem na Minustah) deveriam pensar como o Brasil", afirma Boukman.