Pode a literatura desfazer o trauma causado pela incidência da língua sobre o ser humano? Ou, ao contrário, a criação literária revela sobre tudo o fato de que a remissão do trauma corresponde ao limite da relação do homem com a linguagem? Nas várias referências que Jacques Lacan fez a James Joyce, nota-se seu interesse em examinar o modo como o escritor mobiliza a escrita, a maneira como a letra gradativamente prepondera sobre o sentido das palavras e torna possíveis jogos entre sons e sentidos, à moda de uma permanente dissolução e reconstrução da noção psicanalítica de sintoma. As obras de um e de outro exigem do leitor um trabalho sobre o texto, cuja realização implica necessariamente o desejo de quem o obra. Sem se deixar seduzir pela idéia de aplicar a psicanálise à criação literária, Ram Mandil expõe com firme delicadeza, um a um, os caminhos que o texto de Joyce e o texto de Joyce relido por Lacan o fizeram percorrem. Seu trajeto, palmilhado por uma meticulosa aplicação de questões literárias à psicanálise, desemboca no esboço de um método capaz de demarcar os principais impasses com que a clínica psicanalítica se defronta. Gozo, pulsão e sintoma retomados pelos efeitos da leitura, pela função do escrito e pelo estatuto da voz demonstram que a psicanálise não cessa de se reinventar toda vez que se deixa interrogar pelo que testemunham aqueles que buscam um meio de saber o que fazer com o enxerto da linguagem no âmago do ser.