A obra de Michel Foucault, há tempos, vem construindo uma complexa relação com as ciências humanas, particularmente à antropologia. Inúmeros indícios levam-nos a pensar hoje que sua recepção e sua difusão evoluem de maneira singular. Alguns de seus conceitos entraram no cotidiano do empreendimento antropológico para serem utilizados como verdadeiras ¿palavras de ordem¿ ao ponto de tornarem-se lugares comuns, ou seja, encontramos elogios, enfrentamentos, reutilizações conceituais ora na relação de Foucault com a antropologia, ora da antropologia em relação à Foucault. Para analisar em detalhes essas modalidades de proximidades e ressalvas em mão-dupla, decidimos pensar três temas: etnologia do presente, poder e escrita antropológica. Duas tradições, a francesa e a norte-americana, bem como propor uma série de diálogos com os antropólogos mais contemporâneos, herdeiros ou não de Lévi-Strauss e Geertz. O objetivo deste trabalho não é confrontar a filosofia de Foucault à démarche antropológica em seu conjunto para tentar desassociá-la seja dos aspectos comuns e divergentes, mas tentar esclarecer, em toda sua riqueza, diversidade e deslocamentos, os enjeux dessa extensa e plural obra para situar seu real interesse antropológico. Não se trata de uma simples reconciliação entre o filosófico e o antropológico, mas compreender as razões dessas proximidades e ressalvas, propondo uma crítica que ultrapasse a apologia ingênua ou o desprezo analítico.