Face às profundas alterações que o Dl n.º 303/2007, de 24 de Agosto, e a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, introduziram, respectivamente, nos recursos em processo civil e em processo penal, a edição do presente Manual, exceptuada a sua Parte IV, é praticamente uma 1.º edição, com abandono, por inadequação, dos muitos elementos doutrinários e jurisprudenciais incluídos nas anteriores edições. Consideramos desastrosa a reforma contida naqueles dois diplomas legais por um tríplice motivo: acréscimo injustificado dos meios de impugnação e da sua tramitação burocrática; afronta aos tribunais de recurso; e deficiência técnica no respeitante à regulamentação de algumas questões. Tendo em conta que a crítica à reforma se encontra feita, ao longo do livro, a propósito de cada assunto versado, resta-nos aqui dar uma panorâmica da nossa posição. Assim, no concernente ao acréscimo injustificado dos meios de impugnação e da sua tramitação burocrática, discordamos, em processo civil, da reintrodução do recurso para uniformização de jurisprudência, da revista excepcional, das alegações orais no julgamento da revista, da emissão do despacho de admissão ou de rejeição do recurso só após a junção das alegações das partes e da obrigação de o juiz fixar o valor da causa por meio de despacho para se lograr mais um recurso até ao Supremo, e, em processo penal, do julgamento por decisão sumária do relator, aliás, de constitucionalidade duvidosa, do recurso da sentença relativa à indemnização civil, quando não seja admissível recurso quanto à matéria penal, e da emissão do despacho de admissão ou de rejeição do recurso só após o recebimento da resposta dos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso. No respeitante à afronta aos tribunais de recurso ela concretiza-se, em processo civil, na redução para cinco dias do prazo para a vista dos juízes-adjuntos (quando simultaneamente se aumentou o prazo para a interposição de recurso), na obrigação para o relator de sumariar o recurso (actividade estranha à função jurisdicional e própria de um assessor) e na tentativa da inscrição automática em tabela logo que se mostre decorrido o prazo para o relator elaborar o projecto de acórdão, e, em processo penal, na circunstância de a conferência ser constituída, para além do relator, apenas por mais um juiz--adjunto e pelo presidente da secção a quem se impõe o visto de todos os processos da secção, como se tal fosse possível, mas que só vota para desempatar. Finalmente, referentemente às imperfeições de natureza técnica, no âmbito do processo civil, salientamos as seguintes: a não aplicação da reforma aos processos pendentes, com desconhecimento da regra que determina que a lei sobre recursos é de aplicação imediata, por se reportar a puro formalismo processual; a insuficiência de regulamentação no respeitante à reclamação contra o indeferimento do recurso e a sua falta absoluta no concernente ao julgamento das impugnações das decisões interlocutórias sem subida imediata; a supressão da subida diferida dos recursos com a consequência do desaparecimento do caso julgado formal sobre muitas das decisões interlocutórias e do aumento de anulação de decisões finais; a equiparação da falsidade das declarações dos árbitros à dos peritos, como fundamento do recurso de revisão, e não, como devia, às decisões dos juízes resultantes de crimes praticados no exercício das sua funções; a falta de espécie no Supremo para a distribuição dos novos recursos para uniformização de jurisprudência; o afirmar-se que o despacho sobre o requerimento de interposição de recurso deve ser proferido pelo juiz "findos os prazos concedidos às partes para interpor recurso ", e não, como resulta de várias disposições legais, "depois de recebida a alegação do recorrido ou de expirado o prazo para o efeito". As reformas processuais a que vimos aludindo, totalmente desnecessárias no que aos recursos respeita, vão provocar o aumento da conflitualidade nos tribunais e o tempo de duração dos processos, quando toda a gente reclama celeridade e agilização da Justiça. Duma vez por todas entregue-se, como no passado, a reforma processual a equipas de excelência, integradas por professores universitários, magistrados dos tribunais superiores e advogados com experiência profissional. Da sociedade civil deve emergir a Associação dos Utentes da Justiça para questionar o poder político sobre a razão de reformas na área da justiça sem motivo justificável, como a dos recursos a que nos estamos referindo, e também para opinar sobre essas reformas quando necessárias. Igualmente a ela competirá, a pedido das partes, averiguar as causas da demora dos processos, possibilitando-lhes a denúncia de ir regularidades e atrasos censuráveis aos órgãos disciplinares competentes e a revogação do mandato dos respectivos mandatários que abusem de manobras dilatórias, em busca de honorários acrescidos. Casalinhos de Alfaiata, Fevereiro de 2008 Amâncio Ferreira