Os Sentidos do Atlântico não é a mera publicação de uma bem avaliada dissertação de mestrado, é o resgate da memória e da ação político-profissional de um grupo de intelectuais portugueses que migraram para o Brasil com o sonho de "fazer a América", investindo seus esforços em empreendimentos culturais e editoriais. Os sentidos do Atlântico: a revista Lusitania e a colônia portuguesa do Rio de Janeiro é fruto de uma extensa pesquisa promovida por Robertha Triches, que nos ajuda a superar duas imagens cristalizadas e estereotipadas sobre os imigrantes portugueses da virada do século XIX para o século XX: a do comerciante sovina e a do trabalhador braçal burro de carga. Em uma narrativa de agradável leitura, a autora faz uma análise da revista Lusitania, periódico produzido por um grupo de jornalistas da colônia portuguesa do Rio de Janeiro, que circulou no Brasil e em Portugal (e também em parte da África), entre 1929 e 1934. Intitulando-se Revista Ilustrada de Aproximação Luso Brasileira e de Propaganda de Portugal, o periódico possuía um claro projeto de afirmação da identidade portuguesa no Brasil e dos laços com Portugal, mas, ao mesmo tempo, de inserção dos imigrantes portugueses na sociedade brasileira. A partir do estudo da revista, Robertha Triches caracteriza a imprensa como um importante espaço de sociabilidade da colônia portuguesa do Rio de Janeiro, destacando também o seu papel na construção de uma identidade luso-brasileira, afinal, grande parte dos seus promotores não retornaram para a sua pátria, redefinindo aqui a sua identidade. Além disso, através da análise do projeto político-cultural da Lusitania, a autora mostra como a revista foi aos poucos se posicionando ao lado da proposta autoritária de Oliveira Salazar, transformando-se em um importante vetor de divulgação do salazarismo dentro da colônia e, por consequência, no Brasil. Para além da Lusitania, a autora elenca inúmeras outras publicações da colônia portuguesa na antiga capital da República, bem como identifica as redes intelectuais e profissionais que de forma bem articulada conseguiram empreender um sem número de publicações voltadas para os imigrantes lusitanos no Brasil; o que não somente lhe abriu interessantes possibilidades de pesquisa para o seu doutoramento, como tornou o seu estudo uma importante referência para os pesquisadores do tema. É de extrema relevância as conexões investigadas pela autora, que ligam a imprensa imigrantista ao comércio, à política Portuguesa e Brasileira e à intelectualidade em geral, como os literatos, ilustradores e teatrólogos. Dessa forma, o presente livro contribui tanto para os estudos sobre a imigração portuguesa no Brasil e as relações entre Brasil e Portugal, na primeira metade do século XX, como para as novas pesquisas que vêm sendo desenvolvidas a respeito da utilização de periódicos como objeto de estudo. Mas também para todos aqueles que de certa forma procuram compreender como a imprensa era um importante espaço de participação política e cultural nas primeiras décadas do século XX no Brasil. A autora consegue, portanto, destacar a importância desses periódicos para o dia a dia da colônia portuguesa e sua articulação com o restante da sociedade brasileira. Um espaço esquecido por grande parte da literatura sobre o assunto, mas que Robertha Triches, sabiamente, resolveu tornar público em seu novo livro.Pedro Krause Professor do Departamento de História do Colégio Pedro II