A questão do indivíduo forma uma espécie de buraco negro em Sociologia. O seu evitamento constrói as condições de um confronto estéril entre escolas (determinismo oposto à liberdade do actor) e vota ao fracasso as tentativas para trabalhar sobre as articulações concretas. Norbert Elias já o sublinhara: será impossível avançar sem uma desconstrução da categoria de indivíduo. Apoiando-se, em primeiro lugar, numa postura em perspectiva histórica, Jean-Claude Kaufmann prossegue esta desconstrução pelo estudo pormenorizado da produção social dos indivíduos e das suas capacidades de iniciativa. Um antigo conceito reactualizado, o hábito, permite explicar a dinâmica dos esquemas operatórios incorporados. A incorporação, invocada em várias abordagens teóricas, entre as quais a de Pierre Bourdieu, nunca fora objecto de uma análise precisa. Aqui, culmina em algumas surpresas importantes, das quais esta: a incorporação opera fora do corpo biológico, a interiorização é, intrinsecamente, uma exteriorização. A confrontação com o habitus, tal como Bourdieu o entende, define de maneira inesperada um instrumento de análise do movimento da História, em particular da individualização. Visto que a divergência histórica entre habitus e hábitos é o factor decisivo. As conclusões declinam-se sob a forma de um encadeamento de paradoxos. Apesar de o indivíduo como entidade substancializada se desconstruir e aparecer como um processo aberto e instável, a individualização constitui a principal chave explicativa da mudança social. Determinismo e iniciativa individual cruzam-se no coração desta contradição, que não se trata de superar, mas cujas razões se deve compreender. Sob um ponto de vista epistemológico, as perspectivas abertas são as de uma Sociologia dialéctica.JEAN-CLAUDE KAUFMANN é sociólogo, director de investigações no CNRS e na Université Paris V - Sorbonne