Em menos de dois anos, a segunda edição deste despretensioso Manual desapareceu das prateleiras do estoque da LED - Editora de Direito. Não pudemos, em sã consciência, esconder nossa surpresa. Pode parecer acaciano dizer que se o médico gostasse do Direito, teria se formado como advogado e não como esculápio. É verdade! Mas também é verdade que, mesmo como médico-legista, ele não pode renegar de suas prerrogativas, nem de suas obrigações, sendo que dentre estas, a primeira é saber reconhecer a verdade e, em conseqüência, dizer a verdade daquilo sobre o que tomou conhecimento, ''ratione officio'', através de sua perícia. Verdade aberta e sem rodeios, escancarada e sem subterfúgios, sendo destemido, sem ser arrogante, temente à Lei, sem ser pusilânime. Tivemos a oportunidade - ''post est occassio calva...'' - de ter que dirimir pleito internacional onde a vítima teria cometido ''suicídio'' em custódia do Estado, em situação sui generis, em condições pouco convencionais, caracterizando uma morte suspeita. As suspeitas se confirmaram, e o 2º exame necroscópico, ora pós-exumação, mostrou ter havido uma longa sessão de tortura no fim da qual, provavelmente, ocorreu o passamento da vítima, que teve que ser colocada em posição que simulava um suicídio, para atender os interesses da Administração Penitenciária... Aproveitamos, pois, para fazer nesta terceira edição, uma ampla revisão sobre as necropsias nos casos de morte pós-tortura, aproveitando e intercambiando material e informações com o mestre Genival Veloso de França, de longa experiência trilhando essa senda quem, destarte, transformou-se em lógico co-autor desse capítulo. E por quê será necessária essa 2ª necropsia? Simplesmente porque na 1ª, a original, quando se contava com todos os elementos, o médico legista falhou! E falhou por quê? Falhou, culposamente, por falta de preparo e de interesse. Infelizmente, é ínfimo o número, dos que aplicam à especialidade que escolheram e os mais são os que só usam os cargos nos IMLs como simples ''cabides de emprego''. São estes os que dedilham as músicas apenas de ouvido e acham que técnicas sofisticadas e dispendiosas são as panacéias, que tudo resolvem. Ledo engano. Essas técnicas sofisticadas e dispendiosas, que a maior partes das vezes não podem ser realizadas, apenas são as que se encaixam como argumentações para ''não fazer nada por falta de materiais, meios e recursos''. Falhou, dolosamente, para agradar ao Sistema. Para encobrir as atividades escusas e os resultados nefastos de policiais civis e militares que prendem, torturam, julgam e executam; dos investigadores que praticam seus desmandos para extrair confissões mentirosas que ''justifiquem'' a morte do confitente; de carcereiros venais que ainda acreditam que piorar a vida de um preso é fazê-lo pagar melhor sua dívida para com a sociedade. E há médicos legistas - e não são poucos - que aderem a essas práticas, simplesmente não fazendo constar dos seus relatórios os achados, enchendo os laudos com uma verborréia suspeita e com a empáfia de quem é dono de uma meia-verdade... Esses são os médicos legistas que se negam a comparecer nas unidades policiais, nas carceragens e em outras repartições estatais - (sob a alegação de cumprir honesta e rigidamente a Resolução CFM nº 1.635, de 09/05/2002, do E. Conselho Federal de Medicina) - com intuito de poder fazer os exames mais ''isentos'' e em ''melhores condições'' nas sedes, por vezes longínquas, dos IMLs e assim poder ser mais falazes. Esses legistas tem medo de falar as verdades, de apenas cumprir corretamente o ''visum et repertum'', tem pavor de desagradar ao Delegado tal, ao Tenente qual, de se fazer respeitar como profissionais em qualquer lugar em que estivessem exercendo seu múnus. A Medicina Legal, deve ser dito, não exige profissionais enciclopedistas, antes exigem profissionais capazes de trabalhar em equipe, não apenas no silêncio do laboratório mas, também, no fragor do trabalho de campo. Isto porque, tanto a Tanatologia, deixara há muito de ser um amontoado cognitivo para transformar-se, talvez até pela própria globalização, em um emaranhado multiprofissional, onde conhecimentos d'antes conservados em compartimentos estanques, hoje devem-se imbricar, devem-se entrelaçar, devem-se permear, para constituir um auxílio muito mais profícuo para os Operadores do Direito. Na Medicina Legal, acreditamos que se faça necessário, começar a pensar, urgentemente, nas Universidades e nos Institutos de Pesquisa, em promover a reativação de algumas áreas, bem como a incentivar o desenvolvimento de outras, notadamente nas Academias de Polícia, onde deveriam ser ministrados cursos de reciclagem, específicos e/ou de formação, tanto para Médicos Legistas, como para Peritos Criminais.