Livro-reportagem publicado pela editora Globo narra com detalhes a complexa realidade política e social venezuelana; obra é o primeiro trabalho a tratar do tema no Brasil O livro. Desde a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, a Venezuela entrou de vez na pauta da política internacional brasileira. As trocas comerciais entre os dois países devem atingir US$ 3 bilhões em 2004 - um crescimento de mais de 30% em relação a 2000. Como houve uma queda no ano passado para US$ 1,4 bilhão, a expectativa é de que chegue este ano a US$ 2,2 bilhões - mais de 57% de aumento. Com a concordância de Lula, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, já afirmou que quer incluir o seu país no bloco econômico do Mercosul. A afinidade ideológica entre os dois presidentes chegou a ser bastante usada durante a campanha eleitoral brasileira do ano passado, como pretexto para tentar tirar votos do então candidato petista. Diziam seus opositores que, se eleito, Lula transformaria o Brasil numa espécie de nova Venezuela. O país vizinho atravessa uma grave crise institucional, agravada por um golpe de estado sofrido em 11 de abril de 2002, que destituiu Hugo Chávez por 47 horas. Desde então, compreender a intrincada realidade social e política venezuelana tornou-se fundamental para analisar a política externa brasileira. Esse é o objetivo do livro "Venezuela: A Encruzilhada de Hugo Chávez", do jornalista da Globonews Pablo Uchoa, que está sendo lançado pela editora Globo, com prefácio do também jornalista Clóvis Rossi, da Folha de S. Paulo. O trabalho é fruto de mais de três anos de pesquisas, que levaram o autor duas vezes à Venezuela (em julho de 2000 e 2002). Nesse período, ele viajou pelos pontos mais emblemáticos do país de Hugo Chávez, vasculhou milhares de páginas de documentos e entrevistou uma centena de fontes, entre pessoas comuns e personagens cruciais da política venezuelana. O resultado, como diz Clóvis Rossi, especializado em cobertura internacional, revelou-se uma obra que ajuda a suprir a lacuna de informação sobre a Venezuela. "É uma reportagem, sim, portanto com um enfoque mais conjuntural, como é o próprio jornalismo. Não é uma reportagem asséptica, em que o autor finge que não tem sentimentos, idéias, simpatias e se limita a reproduzir a versão de um lado e a versão do outro. É importante, para deixar que o leitor forme seu próprio juízo". Pablo Uchoa deu início a "Venezuela: A Encruzilhada de Hugo Chávez" no início de 2000. Apaixonado por política internacional e América Latina, tentava compreender o que representava para a história política da Venezuela a chegada ao poder de Hugo Chávez, à época - e talvez ainda hoje - o personagem mais enigmático da cena latino-americana, segundo o autor. Por conta própria, em julho de 2000, acompanhou o processo eleitoral que reelegeu Chávez pelo partido do Movimento Quinta República, MVR. Durante um mês, o repórter vasculhou os arquivos do Banco Central venezuelano para compreender a economia do país, comprou algumas dezenas de livros e conversou com historiadores, intelectuais, jornalistas e políticos. Em julho de 2002, três meses depois do golpe que derrubou Chávez por 47 horas, ele voltou para completar sua investigação e traçar um quadro mais completo da política venezuelana. Narrado na primeira pessoa, com uma linguagem leve e fluente, de rigorosa pesquisa histórica, o livro intercala depoimentos e impressões pessoais sobre o que apurou ou vivenciou. Na Venezuela, Uchoa experimentou o dia-a-dia da tensão das ruas, a cobertura da imprensa, seguiu os passos do presidente Chávez, ouviu a oposição e fez uma cuidadosa reconstituição do golpe - que inclui os interrogatórios dos golpistas promovidos pela Assembléia. Três capítulos contam em ritmo intenso e minucioso os dois dias em que se seguiram a deposição e a restituição ao poder de Hugo Chávez. Para escrevê-los, o autor consultou mais de três mil páginas de documentos, que incluem papéis não-censurados do Senado americano sobre a participação americana no episódio. Em seguida, a narrativa faz um retorno à origens do chavismo, nos anos 70, quando a Venezuela vivia um período de incomum prosperidade, assentada nos recursos do petróleo, o produto que até hoje responde por 30% do Produto Interno Bruto e 80% da arrecadação do governo. A última parte aborda, sob a perspectiva brasileira, a economia, a política e as relações internacionais venezuelanas. O autor indica que a Venezuela é um país de grande instabilidade e sua crise política não vai se resolver tão cedo. "Muitas encruzilhadas surgirão pelo caminho dos governantes", afirma. Segundo Uchoa, a reação contra Chávez se deve em grande parte ao fosso social entre as classes dominantes e dominadas na Venezuela, que há séculos polarizou - até ideologicamente - a sociedade venezuelana e criou uma violência dinâmica de exclusão. Tudo isso agravado pelo estilo do próprio Chávez, que "piora as coisas com seu temperamento difícil, passional". Além disso, o presidente tem uma personalidade caudilhesca e possui uma incontinência verbal que um presidente não pode ter. Nesse sentido, o autor mostra que realmente havia semelhança de idéias entre Chávez e Lula. Seu governo de caráter messiânico nasceu da profunda desilusão com os líderes políticos que tradicionalmente governaram o país. "De tal forma que se criou um vácuo institucional onde os líderes não correspondiam às aspirações da população". Nesse contexto, surgiu Chávez, capaz de aglutinar toda a esperança popular que os governantes corruptos e irresponsáveis tinham subestimado nos quarenta anos anteriores. "Ele veio de um ambiente de exclusão onde, historicamente, nunca houve convivência dos partidos e os civis mais ricos intercalaram o poder com os militares", diz. Uchoa faz no seu livro o que a mídia venezuelana jogou na lata de lixo: busca uma visão nada maniqueísta dos fatos. Ele analisa o papel da imprensa na crise e afirma categórico que os jornais e as emissoras de TV daquele país assumiram uma posição de partido político na pressão para depor Chávez. Como se nota na manchete do "El Universal" do dia posterior ao golpe: "Acabou-se". A conseqüência disso tem sido a distorção sobre os fatos ocorridos no país, uma vez que muitas agências de notícias internacionais e as nações vizinhas recorrem ao noticiário venezuelano para contar os fatos. O livro de Uchoa é de leitura fundamental para os brasileiros. Interessa aos que estudam ou trabalham com política e economia internacionais ou se interessam pela América Latina. É também um guia para jornalistas e políticos. A obra aproxima a Venezuela dos brasileiros e mostra que o vizinho pode vir a se tornar uma complementação econômica. Não só pelo petróleo. Seu comércio, aliás, deu importantes passos com Chávez nos dois últimos anos.