A bela Tatinha, uma brasileirinha que havia muito tempo aparentava sempre ter 25 anos, com cabelos negros de índia, pele acastanhada de mulata, quadris atraentes de negra e coxas esgalgadas de branca latina, os olhos de cor cinza de eslava e com pálpebras de formas vagamente japonesa e ainda partes do corpo que lembravam outros povos, como o árabe no pousar das mãos delicadas, e o judeu no tronco esbelto de coluna vertebral comprida e vagamente arqueada, os germânicos na voz filigranada que cantarolava, as maçãs chinesas do rosto, a flexibilidade dos movimentos dos coreanos, o coleante das danças indianas, fundindo num corpo só todas as nossas raças do Brasil estremecido, e ela ainda tinha crenças tibetanas e jamaicanas, além de ouvidos para músicas americanas, acuidade visual para leituras cucarachas... A apresentação da personagem principal abre o romance-ensaio de Renato Pompeu, O Mundo como Obra de Arte criada pelo Brasil e diz muito sobre a trama e as intenções do autor. O corpo mestiço de Tatinha porta a bandeira do enredo: um grupo de pessoas, para comemorar a passagem do milênio, se reúne em uma grande cidade brasileira para produzir, na Internet, um samba-enredo virtual que tem o mundo inteiro como tema. É a brasileirinha que recebe e organiza as mensagens que chegam de dezenas e dezenas de países com sugestões de músicas e obras de artes plásticas a serem incluídas no samba. Também será ela a primeira a perceber a intriga internacional que se desenrola a partir da troca de mensagens com atos de guerra, terrorismo e até ataques a pessoas do grupo.