Trechos de diários queimados, cartas rasgadas, mensagens pela metade. Papéis cujo destino seria o lixo - ou o mero esquecimento. Fragmentos de histórias, diálogos inacabados, poemas soltos. Instantâneos de palavras e narrativas em estado bruto: é esta a matéria-prima de Escrita Secreta, novo livro de Heloisa Prieto. Uma tentativa de classificá-lo poderia começar pela ideia de enumeração caótica e lírica. Trata-se de um livro de bricolagem poética. Da investida num universo onírico e, ao mesmo tempo, muito palpável - porque feito de pedaços banais da vida. Exatamente aqueles que, à luz da literatura, são capazes de resgatar o lado mais poderoso da existência. Escrita Secreta empreende um elogio a toda escritura que habita a penumbra das gavetas, o interior dos cadernos esquecidos, o improviso dos post-its. Em outras palavras, reúne flagrantes de pequenas epifanias: aquelas que cabem no cotidiano de quem registra, com textos ou imagens, as narrativas da vida. Por isso, em Escrita Secreta as palavras de Heloisa Prieto vêm acompanhadas pelas fotografias de Priscila Nemeth e Anne Bergamin Checoli, artistas que capturam imagens de extremo poder poético, cenas que remetem à intimidade e ao susto da delicadeza compartilhada. As páginas de Escrita Secreta revelam a graça irresistível das narrativas que nascem na correria do dia a dia, num assombro súbito, na urgência da inspiração. Heloisa Prieto tece uma delicada brincadeira com o jogo diário de pique-esconde atrás do texto certeiro, da narrativa que faltava, da descoberta redentora - uma atividade que, de uma forma ou de outra, persegue a todos nós. Quem, afinal, nunca escreveu em segredo? Nesse vasto universo cabe o lembrete de uma frase do poeta E.E.Cummings. Cabe o conto sobre o encontro com uma cigana. Um poema que começa com a palavra "lagartixa". A história de Dona Sofia, que fala sobre vampiros. A opinião de Bob Dylan sobre a loucura. Como diz a quarta-capa da obra, são "narrativas confessionais não convencionais". Intimidades em alta resolução literária, compiladas num casamento perfeito entre vestígios de textos e instantâneos imagéticos de assombrosa beleza.