Agrada-me imaginar Borges, já adulto, na noite, insone, em sua estreita cama de ferro, memorizando alguns versos que ditará no dia seguinte. Imagino-o com o travesseiro dobrado e a cabeça meio erguida, apoiada sobre suas mãos cruzadas na nuca. A casa silenciosa, a luz iminente da aurora beirando as frestas da persiana. Quanto é, digo a mim mesma, que um homem pode idealizar na solidão, no recanto de sua cama solitária, em meio às intangíveis tonalidades desse espaço! Enquanto isso, na cidade, dormimos. Como não sentir gratidão por esse ser, pelo artista que nos diverte em seu desvelo, que nos pensa, que nos exprime? O mundo avança, apesar de nossos equívocos maiúsculos, graças ao artista insone de todos os tempos e de qualquer lugar. Ocasionalmente me comove imaginar este imenso mundo de amigos literários reunidos ao redor de Borges na solidão de sua morada monástica, no pequeno apartamento da rua Maipú, tão sóbrio, se preferir humilde, desprovido de falsos ornamentos, despossuído de brilhos aparentes ou lampejos vãos. Vem-me à memória, então, a autocrítica que escreveu no pé da página, aos sete anos: Demasiado melodramático. E sorrio. A vida de Borges parece responder à severidade com que o menino a desenhou, no começo do século.