A Psicanálise surge na aurora do século XX como um campo do saber que vai na contracorrente dos avanços civilizatórios, apontando, como afirma Sigmund Freud, para o mal-estar inerente à entrada na cultura e seus dispositivos. O campo da saúde assim como o conhecemos na modernidade, por sua vez, tem seu arsenal teórico e prático pautado em uma tentativa de disciplinarização dos corpos e espaços, como bem apontou Michel Foucault ao longo de sua obra. Dois campos, duas éticas, portanto. Entre eles uma interseção: a clínica, que recolhe os efeitos desse mal-estar, seja ele nomeado como angústia, sofrimento ou doença. A pergunta que invariavelmente se coloca para todo aquele que, atravessado pela psicanálise, se aproxima do campo da saúde é: o que pode a psicanálise frente aos discursos estabelecidos no campo da saúde, hoje em dia marcados tão fortemente pela conjunção entre o discurso universitário e o discurso capitalista? O livro que ora temos em mãos trata-se de uma abertura de possibilidades para fazer avançar esse questionamento e desdobrar vias de respostas possíveis. Advertidos da indissociabilidade entre saber, política e ética, os organizadores dividem o material em suas partes. A primeira, intitulada PSICANÁLISE, SAÚDE E POLÍTICAS PÚBLICAS permite-nos deslindar problemas cruciais aos quais a psicanálise é chamada a facejar no campo da saúde. São questões que dizem respeito tanto à macropolítica (normatizações, legislações e programas), quanto à micropolítica (relações interdisciplinares, o encontro com o outro, o cuidado com o corpo) sem deixar de trazer para o debate aquilo que atesta a especificidade da psicanálise, a saber, seu compromisso com a clínica. Os textos que aqui encontramos indicam que, enquanto as políticas de saúde são perpassadas por uma lógica universalizante sustentada pelo lema Saúde para todos, a psicanálise comparece aí fazendo furo, introduzindo a política da falta-a-ser. Na segunda parte do livro A ÉTICA DA PSICANÁLISE NAS INTERVENÇÕES EM SAÚDE: saberes em construção, o enlaçamento que se dá agora é entre a prática e sua ancoragem ética na psicanálise. Aqui, encontramos em meio a domínios tão distintos (como a promoção à saúde, a saúde mental, a oncologia, o transplante de órgãos, entre outros), uma argumentação que lhes dá um eixo comum: uma ética interessada na singularidade e no recolhimento dos ditos por onde transmite-se o desejo. Assim, entre política, ética e clínica, a obra intitulada PSICANÁLISE, SABERES E PRÁTICAS EM SAÚDE desponta no cenário atual como leitura indispensável a todo aquele que, fisgado pela peste (como Freud referiu-se certa vez à psicanálise) enreda-se no cotidiano das práticas de saúde e interroga-se sobre os saberes que a subsidiam.