Astrid Cabral, após publicar dez livros de poesia, dedica uma obra inteira à reflexão sobre a palavra, fazendo um intervalo em sua trajetória literária, um balanço lírico e analítico sobre a matéria-prima e as ferramentas de seu ofício. Palavra na berlinda inova ao pensar e sentir a palavra pela especulação afetiva. A palavra, contrariando o título, não se encontra na berlinda, mas no colo da poeta, que a trata com mão carinhosa, ainda que de forma racional. Ao lermos o índice, temos a impressão de serem verbetes sobre poesia, o que nos levaria ao reino das definições de um dicionário, mas, através da metaforização e da animização da palavra, a função poética imediatamente se impõe e nos oferece o simbólico, o enigmático, o indecifrável. A palavra, como em "Rapto de instantes", é uma armadilha: o que parece ser uma definição é uma criação que tece sentidos com habilidade e delicadeza. Os poemas, densos e enxutos, buscam o "gosto de barro" e, ao mesmo tempo, sabem que a palavra é uma "escondida estrela", dando mostra, assim, de que "os céus" e os "infernos" cabem juntos nos versos. Daí dizermos que no livro há um duplo movimento: o da humanização da palavra e o da verbalização do humanismo. Exemplifiquemos com "Necessidade prima", que diz "só a palavra/ levanta pontes/ de homem a homem". Assim como em "Passarês", poema em que Astrid Cabral questiona a diferente linguagem dos pássaros, sua obra tem também um canto-pássaro, que a distingue das obras poéticas contemporâneas, femininas ou não. Sua poesia é "passarês", pois transfigura o prosaico cotidiano, dando a ele uma dimensão maior, graças a uma imagística sensível e vigorosa. Palavra, em suas mãos, é "alma encarnada" e tem, portanto, o peso de um pensamento crítico e a leveza de um olhar compreensivo em permanente diálogo contra a ameaça dos silêncios. MARCUS VINICIUS QUIROGA, poeta e crítico literário