O grande clássico hindu Bhagavadgita, ou Canção do venerável, é provavelmente um dos exemplos mais notórios daqueles livros que são, ao mesmo tempo, tão famosos quanto desconhecidos. Se poucos ignoram sua existência, menos ainda sabem do que realmente se trata. A presente edição vem sanar essa situação de uma vez por todas, ao menos para os leitores brasileiros, a partir da tradução direta do sânscrito, do prefácio e das inúmeras notas a cargo de Carlos Alberto Fonseca, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo. Canção do venerável é parte do grande épico Mahabharata - poema monumental, com cerca de 74.000 versos, cujas origens remontam ao século X a. C. e que narra uma antiga guerra de sucessão. Um rei tem dois filhos, porém o primogênito é cego, ficando o reino, então, para o caçula. Quando os irmãos morrem, os filhos do primogênito preterido se reapoderam do reino, alijando os filhos do último rei. Estes são obrigados a lutar para reavê-lo. Eles têm, assim, duas escolhas: a guerra pelos seus direitos ou a renúncia, isto é, a derrota e a paz. O direito pode justificar a guerra, que tudo destrói? A paz pode justificar a derrota, e a perda de tudo? Arjuna, um dos filhos do ex-rei, encarna o dilema em pleno campo de batalha. Ele hesita. Seu diálogo moral com Krishna, que o assessora e o serve, é o próprio texto da Canção do venerável - cujas implicações vão muito além de uma situação literal de guerra, pois se manifestam em inúmeras circunstâncias da vida, e não apenas da história. A presente tradução, se tem todo rigor acadêmico, tem também pleno vigor poético. Pois sendo o original um poema, costuma, no entanto, ser traduzido de modo a incorporar ao texto certos facilitadores, para ajudar a compreensão de seu distante contexto cultural (a Índia de milênios atrás). Aqui se optou por outro caminho: traduzir a linguagem poética em linguagem poética, o que pressupõe, entre outras coisas, contenção, deixando os necessários esclarecimentos para as notas. Além disso, também a tradução, ou melhor, a retradução de vários termos sânscritos bastante conhecidos ganha em rigor - e assim, igualmente em estranhamento, ou renovação de sua recepção. Através de uma nova transliteração do original sânscrito para o português, inúmeras palavras (entre elas carma e yoga, e nomes como Krishna e Brahma) tornam-se novas de novo, o que inclui seus possíveis e amplos significados.