Há muitos livros sobre Paulo Freire e sempre aparecem outros, reiterando perspectivas já exploradas ou reavivando-as para os dias atuais. Mas, sem nenhuma dúvida, este texto de Celso de Rui Beisiegel é o melhor livro sobre a teoria e a prática de Paulo Freire no Brasil, nos seus primeiros tempos - final dos anos de 1950 e início dos anos de 1960. Em primeiro lugar pela competente análise do contexto desse período, fundamentada em obras clássicas da sociologia e da história, com destaque para o papel da educação no projeto de modernização da sociedade brasileira desde os anos de 1930. Em segundo, pela análise dos fundamentos e desdobramentos da proposta de Paulo Freire, surgida no bojo da ideologia nacional-desenvolvimentista elaborada no período pelos quadros do ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, mas com raízes na miséria do Nordeste, em particular no "mocambos" do Recife. Mostra que, embora experimentada em um inovador sistema de alfabetização, que ganhou fama a partir de Angicos, no Rio Grande do Norte, e planejada como um Plano Nacional de Alfabetização, essa proposta era mais ambiciosa: tratava-se de um processo de educação de adultos, cujo horizonte era a "conscientização" dos problemas da realidade brasileira e a "politização" para transformar essa realidade em uma sociedade realmente democrática. Estávamos no Governo João Goulart, momento de crise radical, quando se discutiam apaixonadamente as "reformas de base", e esse processo é violentamente interrompido com o golpe militar de 1964. Raramente encontra-se um texto que equilibre tão organicamente a exploração dos escritos disponíveis com a riqueza de entrevistas bem realizadas.