Nunca vi um verão assim. Um calor sufocante desde meados de maio. Uma pesada nuvem de vapor cobre, o dia inteiro, as ruas e as praças. Só o crepúsculo reconforta um pouco o ânimo. Acabo de regressar do passeio vespertino que faço quase todos os dias, depois de visitar os meus doentes, que não são agora, no verão, demasiado numerosos. Uma brisa fresca e constante sopra de leste, a vaga de calor desprende-se do solo e desloca-se lentamente, transformando-se num grande véu de pano vermelho, que se afasta para oeste. Cessa o ruído dos solavancos das carroças; de quando em quando, ouve- -se somente um fiacre ou a campainha de uma carruagem que passa nos seus trilhos. Percorro vagarosamente as ruas. Aqui e ali, encontro um conhecido, e por um momento paramos os dois à esquina a conversar. Mas porque será que tenho de encontrar, uma vez mais, o pastor Gregorius atravessando o meu caminho? Sempre que o vejo, torna-me à memória uma anedota que, um dia, ouvi contar acerca de Schopenhauer. Uma tarde, quando o austero filósofo estava sentado a um canto do seu café habitual, solitário como de costume, a porta abre-se e ele vê entrar um homem com um semblante desagradável. Schopenhauer observa-o de relance, contrai o rosto num esgar de susto e repulsa, levanta-se e ataca à bengalada a cabeça do intruso. Devido, simplesmente, ao seu aspeto desagradável.