Gramsci é um clássico? Essa questão, a qual devemos provavelmente responder afirmativamente, não é mais do que a premissa de outra, muito mais insidiosa: é um clássico como Platão, Aristóteles, Kant, Hegel? Ou seria mais semelhante a Maquiavel, Spinoza, Rousseau, Marx? É um clássico indiscutível, que não cria divisão e disputa, mas sim escola? Ou é um clássico cuja herança nos obriga (ainda) a nos dividir por razões que, sem medo de ser excessivos, podemos chamar de políticas? A distinção não é cronológica: houve um tempo em que ser aristotélico ou hegeliano teve o valor de uma escolha que exorbitava os limites da disputa escolástica, mas esses tempos passaram; o tempo no qual Maquiavel, Spinoza ou Rousseau pensavam os problemas da democracia, do povo, da massa, da vontade política ainda é nosso, e tomar partido aqui não é uma questão de escola, mas de vida: depende do mundo que queremos construir. Este livro, originário do colóquio da International Gramsci Society, realizado em Campinas (2017), narra que o classicismo de Gramsci é tudo menos uma disputa acadêmica; que o seu legado, ao qual agora é possível acessar em um modo não superficial apenas graças às armas da crítica (filológica), não pode ser concebido sem uma referência constante (implícita, pelo menos) à crítica das armas (políticas), ou seja, a um mundo que ainda é o nosso. Assim, as conferências reunidas neste volume, aparentemente movendo-se em direções diferentes, formam uma espécie de quiasma, que tem um único ponto central: os problemas que Gramsci escolheu e o modo como lidou com eles. Hoje se compreende sempre melhor (e este livro confirma isso) que este modo é essencial: a necessidade imperativa de combinar o marxismo nas línguas nacionais define intimamente a forma de teoria que Gramsci adota, e é isso que, não menos importante, torna suas páginas concretamente traduzíveis na vida dos povos e culturas que habitam o grande e terrível mundo do século XXI.