"Não há melhor laboratório para a criação poética do que a tradução da poesia. O trabalho de recriar seu próprio idioma, a experiência poética vivida numa língua alheia, apresenta ao poeta-tradutor todos os problemas formais da criação poética, fornecendo-lhe apenas um ponto de partida de natureza já textual, o que nem sempre é o caso quando se trata de compor um poema novo. As técnicas aprendidas na tradução - o exame cuidadoso das palavras utilizadas, a rejeição de tudo que não é precisamente o que o momento requer - serão de importância fundamental para a criação poética autônoma. Adalberto Muller lança seu primeiro livro de poesia (sem contar com uma plaquete de tiragem restrita, de 1995) depois de publicar várias traduções de poetas de expressão, inglesa e alemão. E e no apuro, artesanal de seus versos, tanto quanto na presença de poemas em idiomas estrangeiros , que se percebem as marcas da prática de tradução. Embora sua poesia seja essencialmente lírica, com predomínio da temática amorosa, há na maioria dos textos incluídos uma preocupação em privilegiar a percepção do objeto, bem como a própria linguagem que o tematiza em detrimento da expressão direta da subjetiva. A lição de alguns dos mestres cultuados pelo autor, como João Cabral e Francis Ponge, é especialmente visível em poemas como "O samba e o Cante" e "Cigarro". Mas seus melhores momentos ocorrem quando pendor lírico e rigor formal estão presentes em perfeito equilíbrio: é o caso da bela seqüência que dá título ao livro, bem como de "Escritos no dorso da aurora" e diversas outras peças. Mais à vontade com o verso livro e metros mais curtos, o autor mostra do que é capaz também em outros formatos em poemas como "Poesia e vinho" e o quase soneto "A casa de Corina Martins". Enquanto velo seu sono, embora livro de estréia, não é obra de estreante. Alberto Müller já é um poeta em pleno domínio de seu ofício." - Paulo Henrique Britto