Há quinze séculos Boécio se destaca na Cristandade como uma figura tripla, uma personalidade de três faces bem distintas: um modelo, um marco histórico, e um enigma. Modelo ele foi de vivência integral e profunda, da vida cristã, desde a espiritualidade à política, como filósofo que sabiamente encarna a teologia e se identifica com Jesus Cristo, ao ponto de em algumas igrejas ser venerado como santo. Marco histórico, representado pela tradicional expressão que o designa como "o último dos romanos e o primeiro dos medievais", aquele que sendo expoente do que havia de mais elevado nas ciências e nas virtudes romanas e gregas antecipou o caminho que viria a florescer na escolástica medieval, e, no sentido mais amplo, a personalidade daqueles a quem Le Goff chamou de "os intelectuais da Idade Média" - cunhando uma expressão que teve em Boécio o seu primeiro molde. Na sua interpretação de Boécio, e da Consolação, ao aprofundar a ideia de filosofia, e de modernidade, antes de explicar o "itinerário da felicidade" Cleber Duarte Coelho abre caminho para uma ideia mais ampla de Filosofia, segundo a qual mesmo na modernidade temos que aceitar que há (parafraseando) "sob o sol mais filosofias do que as que cabem na nossa escola". Dito de outro modo, ao procurar as concepções antropológicas de Boécio o autor propõe a sua ideia de ética, e de filosofia, como um todo, e ela é tão válida hoje com o foi há quinze séculos. A modernidade não restringiu a filosofia a uma só modalidade ou escola, e não limitou a missão da Filosofia à de um mestre - e há ainda quem negue que a filosofia tenha uma missão. Cleber Duarte Coelho, analisando e comentando a Consolação de Boécio, conclui que a Filosofia mantém hoje, entre muitas outras possíveis, a missão de ser um caminho de virtude, e de vida espiritual e teológica.