Ela foi das mais belas atrizes de sua época. Continua linda, alta, elegante, cheia de charme e glamour. Um glamour que, às vezes, Eliane Lage procurava (e procura) inutilmente esconder. Teria sido, nos anos 50, uma top model, se quisesse e se a moda existisse com a força de hoje. Acabou sendo estrela de cinema por amor, ainda que o cinema não a entusiasmasse, ela não queria fazer carreira. Tudo o que desejava era viver ao lado do amado, o diretor Tom Payne, uma das figuras de relevo na cinematográfica Vera Cruz, o breve sonho de criar uma Hollywood no Brasil. Eliane Lage tinha toda a mídia de sua época, em um tempo em que a imprensa não era avassaladora como hoje, invasiva e espaçosa. Atriz de Caiçara, Ângela, Terra é Sempre Terra, Sinhá Moça, quatro dos maiores sucessos do brasileiro entre 1950 e 1954, ela abandonou tudo, ainda que tenha retornado em Ravina, uma tentativa de se fazer uma versão cabocla de Rebeca ou O Morro dos Ventos Uivantes. De qualquer modo, Eliane, exmilionária (o magnífico Parque Lage, no Rio de Janeiro era de sua família, um palazzo de fantasia construído por amor a uma mulher! Se querem saber mais, leiam o livro), exsocialite, mulher tímida e culta, falando várias línguas, com infância e juventude passadas parte numa ilha, a de Santa Cruz, onde seu avô construíra um império a base de minas de carvão, salinas, estaleiros, navegação de cabotagem, parte em São Paulo ou na célebre fazenda Empyreo, de Yolanda Penteado que a protegia e a chamava de filha, é uma pessoa diferenciada e rara. Fui um daqueles jovens que nos anos 50 se apaixonaram por ela, "uma beleza meio selvagem, de maçãs de rosto salientes e olhos orientais. Diziam brincando. Quando era criança, que tinha sido achada na rua em Vladivostok". Sou mais ainda hoje, quando, passados os seus 70 anos, ela escreveu este livro admirável e pungente. Estrela de cinema, mãe, dona de antiquário, professora, fazendeira. Quantos caminhos ela percorreu. Quando se termina a leitura deste livro, que tem atmosfera de romance, nos vemos diante de uma mulher que foi avançada e moderna em sua época, uma época que não a comprendia, não a podia alcançar. Esta é uma autobiografia que se insere dentro daquele gênero particular de life in progress. História de uma mulher que soube se renovar a cada ciclo, Eliane sempre olhou para seu tempo com uma visão crítica, aguda, muitas vezes distanciada, percebendo valores que não eram reais, entendendo a mistificação, a representação, o supérfluo, a vaidade. Há uma expressão popular que a define: "pessoa que sempre esteve na dela" na busca em busca do seu próprio eu, de uma viagem interior. Este é um livro que todas as mulheres e homens, também, é claro, e principalmente deveriam ler, porque é uma trajetória de sinceridade, lutas e como enfrentar percalços com serenidade. Atrás da mulher tímida e (aparentemente) insegura, havia na verdade, uma pessoa que sabia o que queria, ou melhor, o que não queria e trilhou caminhos próprios. Nada místico nada espiritual. Mas a leitura deste livro me fez bem, me fez ver de que maneira nos apegamos a coisas que não têm sentido, não fazem parte de nós, nos dilaceram e, mesmo assim, nos curvamos a elas. Eliane Lage reconstitui a atmosfera peculiar de duas sociedades, a paulista e a carioca, seus valores nos anos 50, as mudanças do país, das pessoas, a mentalidade de uma elite, os sonhos e fantasias de quem pensou em teatro e cinema e procurou modificar (TBC e Vera Cruz), cancelar o ranço de uma São Paulo gigante, porém provinciana. Ela percorre a trajetória de um estúdio mitificado, desde que aqueles terrenos ainda eram galinheiros, mostra como eram produzidos os filmes, como as pessoas agiam, os temperamentos, estrelismos. O encontro dela com John Wayne diverte, os dois astros, passaram a falar de...Vacas, de como criar gado. Este é um relato para a história do cinema brasileiro, evidente. Mas acima de tudo é uma narrativa que se lê com prazer e emoção, porque mostra a construção interna de uma mulher em um mundo em transformação veloz. Vai da agitação das metrópoles e da vida em sociedade ao bucolismo e paz campestre. Eliane deve figurar na galeria de grandes mulheres brasileiras, porque sua vida vai ajudar muita gente a se entender, se modificar. Quer emoção? Aqui está. Determinação? Também encontrará. Humor? Permeia o livro. O passado? Está presente. O futuro? É hoje. Os caminhos? O da verdade e sinceridade, do desprendimento e da entrega. Em um breve depoimento, Anselmo Duarte, que contracenou com Eliane em Sinhá Moça, e foi em sua época um ídolo que chegava ao estúdio em um Jaguar prateado, escreveu uma palavra que a define com perfeição: "Verdadeira". É o que se depreende deste livro.