A rotina burocrática do pensamento único que paira sobre nós como um espectro tem tirado o temido Procrusto de seu sono mitológico. Procrusto é personagem da mitologia grega e vivia entre as cidades de Mégara e Atenas, quase sempre oferecendo abrigo aos cansados e desatentos viajantes, possuía em seu esconderijo uma cama. Por vezes oferecia o leito a uma pessoa grande, serrando-lhe as extremidades que a ultrapassavam; em outras, oferecia o leito a uma pessoa pequena, esticando-o para que ocupasse milimetricamente o espaço. Habitando territórios cada vez mais distintos, a alegoria da medida exata vem atuando indiscriminadamente em zonas de circunvizinhanças, como a da estética e as preocupações com o corpo perfeito; do psíquico e a privatização dos afetos, a atomização dos sentimentos; do econômico, ao impor um modelo de produção da riqueza; do social, ao eleger um padrão de sociabilidade, selecionando de forma profilática quem tem direito à vida e como fazer uso dela. Nosso propósito foi o de elaborar uma crítica à condição procrusteana de medida, simbolizado no campo representacional da intolerância como marca que insiste em habitar o mundo da educação, da ética e da cultura. Na mesma proporção - e de forma mais incisiva - estendemos nossa análise para a isometria cada vez mais presente na cultura científica e na cultura da humanidade, tornando os valores dogmáticos e inquisitoriais do imaginário medieval uma espécie de apanágio para a vida contemporânea.