Este é um livro trespassado por violência, como a de um Dorian Gray despedaçando a tela do seu autoretrato, após a qual não sabemos se ali começou ou terminou o pesadelo. Regresso da tela de Judite a um poema de Mary Oliver que guardei nas minhas estantes, suspeitando, mais tarde, encontrar-lhe par e significado: mas apenas aqueles amantes que não escolheram de todo/e foram, como tal, escolhidos/por algo invisível/e poderoso e incontrolável/e belo e até possivelmente/inadequado /apenas esses sabem do que falo/nesta conversa sobre amor (Felicidade. Mary Oliver, Flâneur, 2021). Belíssima maneira essa de ler o mundo que é a escrita, onde num poema se pode conter o infinito contraditório. Mas, se há uma diferença entre o mundo em que vivemos e o mundo em que queremos viver, ela não é meramente uma condição literária. Talvez não exista nada mais urgente do que, como sugere Ken Loach (Diálogo sobre arte e política. Orfeu Negro, 2008), inventarmos uma nova linguagem inteiramente ocupada (...)