Na poesia de Pádua Fernandes, o país não é apenas território, mas corpo um corpo incógnito, cujo único caráter permanente parece ser sua violência constitutiva. É esse país que canta, por diversas bocas, essa Canção de ninar com fuzis, na qual acalanto poderia brutalmente rimar com morticínio. A pergunta que permeia o livro (o assassinato fala?) não é, entretanto, retórica. Indagar esse corpo em destroços é exigir que sua própria fala ecoe seus crimes, impedindo que sejam esquecidos. Não se trata de um gesto propriamente de revelação, já que a linguagem desqualificada de meu país não camufla seu fosso imundo, mas de exasperação: o poeta encarna essa linguagem, corrompendo os instantes líricos de sua obra (o belo final de Água, imitação do manganês), para reconcentrar os discursos que sustentam o horror normalizado. [...]