Com uma abordagem que transpassa história e teatro, o livro organizado por Kátia Paranhos contribui para a pesquisa na área das ciências humanas tanto com uma discussão sobre teoria e fontes documentais quanto com análises das complexas relações entre leitor e história, ficção e vida. Na apresentação da obra, Kátia discute como a redefinição do campo de ação do pesquisador contemporâneo leva o texto teatral a ser entendido como mais um elemento constitutivo com o qual se trama o fio da história, e não como documento central de suas reflexões. O que não significa banir o texto teatral desse espectro de discussão, mas compreender o fato teatral como uma rede de relações dinâmicas que transitam entre a semiologia, a história, a sociologia, a antropologia, a técnica e a arte, a representação e a política. "A atividade teatral dialoga com outros campos do fazer artístico e, assim, é lógico que se incentive uma história que dê conta das relações verificadas dentro e 'fora' do fenômeno teatral", afirma Kátia. A organizadora cita vários exemplos. Martine de Rougemont, cujo trabalho sobre a história do teatro francês no século XVIII se tornou referência ao investigar e sistematizar pela primeira vez vários aspectos da vida teatral; Jean Duvignaud, que traça o perfil sociológico do ator a partir das sociedades monárquicas em Sociologia do comediante; Denis Guénoun, ao analisar o público, a arquitetura teatral, o autor e o ator para destacar as possibilidades e o caráter multifacetado do teatro; e Roger Chartier, autor do artigo "Editar Shakespeare", que abre a coletânea e trata da materialidade do texto shakespeariano, da encarnação textual e da passagem das estruturas linguísticas da obra para as formas materiais que a tornam disponível, ou seja, as formas gráficas e materiais como formas significativas. "Teatro é História, ou é a história em ato. A história é teatro, ou só pode ser entendida e narrada nesses termos. Por isso é sempre fundamental que os historiadores e cientistas sociais vejam o teatro como seu objeto. E isso ainda é raro", afirma o professor Francisco Alambert, do Departamento de História da Universidade de São Paulo. "Este livro é um belo descortinar de atos para se entender o fenômeno teatral em suas mais alucinantes e ricas possibilidades." Os artigos presentes na coletânea abordam temas variados, como o teatro na Rússia revolucionária ou no Brasil do golpe militar; artistas admiráveis, como Hélio Oiticica e Lina Bo Bardi, que tiveram como fonte para seu trabalho a cena teatral; e a influência do teatro na linguagem dos historiadores e nas antigas narrativas, como a de Tucídides sobre o Peloponeso e a de Maquiavel em O príncipe. Os textos reunidos neste livro têm origens diversas que, entretanto, se relacionam diretamente. Seu objetivo é oferecer ao leitor um quadro inicial de discursos teatrais deslocados, subjugados e não iluminados pela crítica. A obra abrange, portanto, o fenômeno teatral em toda a sua amplitude, procurando fazer convergir teoria e prática teatral - os textos e as edições, a política, a dramaturgia e os dramaturgos, as experiências cênicas -, levando em consideração as várias escolas de pensamento que fundamentam as diversas práticas teatrais. A edição contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).