Ao apresentar o livro de Amy Chazkel, permitam-me uma reminiscência. Em minha infância, vivida no Rio de Janeiro, ouvi várias vezes, de gente adulta e sisuda, que o jogo do bicho era a atividade mais honesta que havia na cidade. Lá, dizia-se, quem acerta ganha o que lhe é devido, sem apelação. Mas aquela gente sisuda também dizia, para perplexidade do menino, que o jogo era ilegal, às vezes dava polícia. Precisei esperar muitos anos para ler Leis da sorte e entender a complexidade da história que aqueles diálogos arranhavam. Chazkel explora a ilegalidade ambivalente desse tipo de loteria, mostra que a história acontece no vão criado pela lei que não se cumpre nem se deixa de cumprir. Tal ambivalência institui o espaço de flexibilidade ou arbítrio no qual se movem as autoridades policiais e judiciárias e faculta aos populares os meneios e astúcias que garantem o seu lugar na vida pública urbana. (Sidney Chalhoub)