"O que significa ser latino-americano?" A pergunta inicial com que Néstor García Canclini iniciou este livro logo se transformou, no prefácio à edição brasileira, numa outra mais atual e expressiva: "Quem quer ser latino-americano?" Quando se conhecem as cifras concretas indicando não apenas o tradicional número de latino-americanos de fala hispânica como, também e especificamente, o número de brasileiros que cada vez mais querem ir para fora disto aqui; e quando se conhece, ainda mais importante, o estado de espírito daqueles que ainda não foram para lá porém gostariam de ir, a tentativa de encontrar uma resposta a essa pergunta ganha em importância. Canclini, contudo, não quer apenas encontrar a resposta. Este ensaio, como ele diz, é sobre como essa pergunta "está mudando enquanto se constroem novas respostas". Está aí a essência do trabalho intelectual profícuo: mudar a pergunta, indagar-se a si mesmo se o modo de formular a questão e ver as coisas não deveria ser outro antes de correr para repetir a mesma resposta de sempre. Refletir sobre a contemporaneidade desta história de uma continuada negação de tanta coisa, como diz o autor, foi a mola deste livro com o qual Canclini ganhou o prêmio da Fundação Cardoza y Aragon em 2001. Se o baixo chavão ideológico continua repetindo à exaustão que na América Latina (o que é isso?) "tudo nos une", no cotidiano dos fatos assim como no cenário da história tudo nos separa, a começar pela língua se nesse todo se quiser incluir o Brasil e se nele o Brasil se quiser incluir. Analisando (portanto admitindo) os inconvenientes de ser latino-americano e com isso exercendo um latino-americanismo crítico, Canclini produz aqui uma reflexão ao mesmo tempo comprometida com esta terra (que não é uma, porém várias) e com a idéia de integridade intelectual que rejeita as simplificações, conceituais e políticas.