Na ficção de Howard Phillips Lovecraft, apenas coisas inverossímeis acontecem, sem nenhuma referência à trivialidade da vida cotidiana. Nada é por acaso, e tudo o que consta nas suas páginas evoca um sentido ominoso trata-se do Mal, do Pior e do Terrível, confrontando magistralmente o leitor com uma experiência de terror cósmico que perturbará seus sonhos para todo o sempre. OESTRANHOCASO DE CHARLESDEXTER WARD Quem era mesmo, quem poderia ser aquele interno no manicômio? Um caso atípico, esquisito: um jovem atemporal preso ao passado, aos poucos perdendo a sanidade atrás de bizarras manias. Seu tataravô, de infame reputação, parecia ser a causa das profundas mudanças da personalidade do cada vez mais sinistro paciente, cujo mistério, desde o início de sua saga até o arrepiante desfecho, tinha fundas raízes na incorporação da vida além-túmulo como projeto. Reflexos de Howard Philips Lovecraft ecoam em Charles Dexter Ward, ainda que o romance pouco ou nada tenha de autobiográfico. No entanto, a crença no retorno dos mortos, pela via da alquimia ou dos rituais mágicos, para obter deles saberes ancestrais, seria um denominador comum. A necromancia, praticada por bruxos desde o começo dos tempos, traz de novo a finitude como fatal retorno do recalcado, de maneira nefasta. Então, obscuros desígnios levam o personagem à procura do pior, não para si, mas para outrem. Junto com o horror cósmico abissal, caraterístico de HPL, aqui também entra em jogo o mal, pelo viés do narcisismo que transcende a aniquilação para querer se satisfazer com a penúria alheia. Fatídicas, como se inevitáveis fossem, as evocações que realizam os mais negros desejos retomam fórmulas de conjuros imemoriais, por poucos conhecidos. A via régia seguida por HPL para ter acesso à Outra Cena foi a de todos nós, os sonhos, ainda que, no seu caso, fosse esta a entrada secreta ao Outro Mundo, perigoso &ominoso. Acaso sem ter [...]