Kansun não aceita a mesmice da vida de todos que o cercam, indigna-se com a sua luta pela simples subsistência, acredita em seus sonhos e tem o arrojo e determinação para buscá-los. Mas, sonhar pelos caminhos de Kansun é viver uma grande aventura, é banhar-se na doçura emanada dos seres que procuram respostas no imponderável, no exercício permanente da dúvida. É palmilhar terrenos africanos, árabes e asiáticos decifrando os milenares conhecimentos resguardados pelas metáforas do texto, em busca dos mais altos extratos do ser. A Kansun não são prometidas as bênçãos póstumas dos céus, mas ele conquista o direito de escolher, pelo instinto do cão, sua face mais sublime, o seu jeito de viver. Emparedado e horrorizado pelos animais de sua fauna interior, pelos fantasmas do bronze de seu caráter, pelos mil punhais que o espreitam na floresta de suas sombras, ele procura o que não pode ser encontrado, mas deságua na pureza e no transcendental de uma conclusão forte e eivada de poesia, que cintila como os elementos naturais ali descritos. Kansun sou eu, é você, qualquer espírito indócil que tenha sede de conhecimento, que ande pelo fio da navalha, saltando montanhas e engolindo nuvens como se fora algodão-doce. Ao tempo em que exalta a coragem, sublimina a fraqueza; a despeito do medo, mostra vigor e inteligência, mas, sobretudo, evidencia um cão-humano, supostamente frágil, que deseja decifrar os segredos da existência. Na figura de um cão, Kansun pode ser um tigre, tão forte como o seu próprio algoz, ou um carneiro, ou o elefante de três trombas... Kansun é como o brilho de uma lágrima, de alegria ou de dor. Kansun, enfim, é o homem que vale a pena. Jornalista Itamar de Oliveira.