O promotor de justiça José Edvaldo Pereira Sales ingressou no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) disposto a investigar os limites constitucionais da intervenção penal e seus reflexos no campo do direito eleitoral. Uma proposta que descortinava um campo de estudo pouco explorado. O pressuposto da pesquisa foi a constatação de uma inegável incompatibilidade entre a disciplina normativa dos crimes eleitorais e princípios constitucionais de limitação do direito penal. Uma consequência clara do descompasso que marca a convivência, em uma mesma ordem jurídica, de valores que restringem a resposta penal a um modelo minimalista com um Código Eleitoral quase cinquentenário, e que, na parte reservada aos crimes eleitorais, conserva a redação original de 1965, ano em que a democracia no Brasil deixava de ser realidade para se tornar uma aspiração. O trabalho fruto dessa pesquisa desenvolve-se a partir da análise crítica da finalidade de tutela de valores juridicamente relevantes, por quase todos atribuída ao direito penal, para reconhecer, com honestidade científica, a dificuldade - intransponível, talvez (?) - de se definir bem jurídico-penal, a despeito de se falar, em intermináveis escritos, sobre uma teoria a propósito desse tema. Para o autor, a busca dessa definição "será sempre uma tarefa inacabada", pois o "bem jurídico deve ser visto, muito mais que definido, como um padrão crítico". Daí - e dos riscos resultantes dessa volatilidade conceitual - a necessidade de que a teoria do bem jurídico seja confrontada, inclusive para efeitos político criminais, com os princípios que norteiam, no Estado Democrático de Direito, a aplicação mitigada da resposta penal, merecendo aqui posição de destaque o princípio da intervenção mínima, considerado, no direito penal moderno, um princípio político-criminal e instituidor de componentes de garantia, a exemplo de seus desdobramentos conhecidos como ofensividade (ou lesividade) e materialidade do fato. Um capítulo inteiro é dedicado à demonstração de que, em matéria eleitoral, há extenso rol de bens jurídicos - como a lisura do pleito eleitoral contra atos abusivos, a liberdade no exercício do voto, a propaganda eleitoral e a limpidez financeira da campanha eleitoral - que já são tutelados por normas de natureza não-penal, as quais impõem consequências graves àqueles cujas condutas as violem, afetando direitos políticos e resultando, por vezes, na própria perda de mandato eletivo. O recurso à resposta penal no âmbito eleitoral representa, portanto, uma escolha incompatível com o princípio (instituidor) da intervenção mínima, sobretudo quando se constata que a totalidade dos delitos eleitorais pode ora ser classificada como criminalidade de menor potencial ofensivo, ora ser equiparada a ilícitos cíveis-eleitorais, ora constituir a simples reprodução de tipos penais não eleitorais. Uma prova de que a tutela penal no direito eleitoral não passa de algo excedente, que está além do imprescindível. O expansionismo penal que marca a sociedade de risco tende ao simbólico, e consagra modelos como o do direito penal do inimigo, que maximiza a repressão. O acirramento da resposta penal acaba por se revelar especialmente temerário no direito eleitoral, pela possibilidade de sua manipulação política. E o texto não foge ao enfrentamento dessa realidade. A principal conclusão do trabalho é apresentada, assim, de forma tão clara quanto enfática: a intervenção penal deve ser expurgada do direito eleitoral, sob pena de a hipertrofia punitiva criar uma espécie de "super-direito". Tive a oportunidade de orientar o projeto de pesquisa, o que me rendeu a satisfação de discutir com o José Edvaldo os aspectos nevrálgicos do trabalho. A dedicação que ele reservou a esse momento da sua vida acadêmica - e que já lhe trouxe ganhos no magistério - é elogiável. Não lhe faltou a disciplina do bom pesquisador. Na verdade, talvez tenha sobrado. Fiz questão de ressaltar isso aos demais membros da banca examinadora - professores Ana Cláudia Bastos de Pinho e Salo de Carvalho - por ocasião da defesa pública da dissertação, realizada no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPA, em 18 de abril de 2013, quando o trabalho foi aprovado, após um profícuo debate. O resultado de tanto empenho é o livro intitulado "A proteção do bem jurídico e a (des)criminalização no direito eleitoral", que agora chega às nossas mãos, qualificado pelo selo da respeitada editora carioca Lumen Juris. (...)