Viver sob o princípio da lei implica admitir diferentes níveis de coerção. Por seu turno, a coerção pressupõe a possibilidade do uso da força. Por isso, num estado de direito é preciso que as imposições legais possam ser justificadas de alguma forma. Porém, pode ser que ocorra algum caso onde essa justificação não seja aceitável para uma pessoa ou grupo de pessoas, isso porque as determinações normativas podem impor um fardo excessivamente pesado para essa pessoa ou grupo; ou ainda porque tais determinações podem violar crenças profundas ou concepções de bem já arraigadas naquela pessoa ou comunidade. Nessas situações, a resposta mais óbvia, e também mais superficial, seria dizer que deve se fazer a vontade da lei mesmo que em desagrado das minorias. Porém, a história da luta pela consolidação de sistemas democráticos revela que não se pode dar uma resposta simples assim. Problemas complexos demandam respostas complexas. Nesse sentido, convergem filosofia moral, filosofia política e filosofia do direito para o debate acerca daquilo que ficou conhecido como direito de resistência, em especial para a questão da desobediência civil. O livro que a leitora ou o leitor tem em mãos trata com ousadia e erudição dessa delicada questão que se coloca nas sociedades democráticas e desafia a tradição do estado de direito. Joana Menezes enfrenta o dilema que se coloca quando uma pessoa ou uma minoria faz um apelo ao senso de justiça da maioria para que diferentes formas de violência sejam evitadas ou cessadas. Mas se engana o leitor mais apressado que imagina tratar-se o livro de mais uma resenha sobre a desobediência civil. A autora não apenas contextualiza, conceitua e exemplifica o instituto da desobediência civil, mas apresenta de forma corajosa uma atualização do instituto de forma a lhe conferir um significado especial nas democracias contemporâneas e nas lutas contra todo tipo de opressão.