Na literatura do século XIX a alma carioca palpita em estado de graça plena na obra de dois grandes escritores, Manuel Antonio de Almeida e Machado de Assis. A tradição persiste no início do século seguinte, com o atormentado Lima Barreto. Herdeiro desses grandes espíritos e de suas afinidades mágicas com a terra de São Sebastião do Rio de Janeiro, Marques Rebelo produziu toda a sua obra numa espécie de ligação mediúnica com a cidade, aliás, as várias cidades dentro da cidade, que convivem no tempo e no espaço, sintonizado com os sonhos, rebeldias e malandragens de seus habitantes, os momentos de desalento, os encontros e desencontros amorosos, a paixão pelo futebol, as transformações urbanísticas, o trabalho cotidiano, os ócios, os sambas transmitidos pelo rádio, "a tristeza e o pitoresco, o ar,opaladar, o odor do ajuntamento humano" (Carlos Drummond de Andrade), os mil e um elos misteriosos e indefiníveis que unem os cidadãos de uma cidade e os distinguem dos naturais de qualquer outro ponto do globo. Nascido em Vila Isabel, terra de Noel Rosa, Marques Rebelo de certa forma incorporou ao seu espírito a irreverência diante da vida e os sentimentos típicos do homem da Zona Norte carioca. A leveza dos sambinhas de Noel, aquele "feitiço decente" da Vila parecem reencarnar no estilo e na linguagem do escritor, leve, enxuta, sem insistência, amenizando um tanto a sua visão amarga e sarcástica da vida. Rebelo deixou uma obra ampla e variada, romances, contos, teatro, literatura infantil, livros de viagem pelo Brasil e o exterior,e um número imenso de crônicas, a maior parte ainda submersa em jornais e revistas. Várias delas foram resgatadas neste volume de suas Melhores Crônicas Marques Rebelo, deliciosas como um docinho de côco: “Jacarepaguá”, “Na Praia”, “A Mesma Música”, outras e outras. Vale a pena prová-las.