O abuso do direito no processo penal não conta ainda com detida regulamentação no ordenamento jurídico pátrio, tampouco mereceu tratamento sistemático e definitivo pela doutrina nacional. Não obstante, vem sendo objeto de regramento em diversos Códigos Processuais Penais modernos, e tem despertado o interesse dos doutrinadores latino-americanos e europeus. Em suas origens, o abuso do direito foi concebido nas relações provadas, tendo sido alvo de enormes controvérsias, inclusive quanto à sua existência. Afirmado como categoria autônoma da ciência do direito, alcançou o plano do Direito Processual Civil, e, desde a última quadra do século XX, vêm adentrando as raias do Direito Processual Penal. Também as partes da relação processual penal que se forma em juízo têm o dever de obrar com lealdade, probidade e boa-fé, e os direitos que lhes são dados a exercer não podem ser manejados de maneira abusiva ou temerária, ou servir de justificação para a protelação indevida do processo. É premente a necessidade de se conceber também o processo penal como um instrumento ético de aplicação do direito, onde o abuso, a temeridade, a má-fé, a chicana e deslealdade, seja por parte da acusação, seja por parte da defesa técnica, ou ainda pelas pessoas legitimadas a postular no juízo criminal, não mereçam acolhida. Mostra-se impostergável, neste contexto, a garantia de um processo penal justo, devido ou leal, que conte com um procedimento isento de incorreções por parte daqueles que nele intervém. Esta concepção se espalha por toda a malha processual penal, seja, por exemplo, no tocante ao exercício de ação, ao direito de defesa, ao direito à prova, ao requerimento de medidas cautelares ou ao direito de recorrer. Para emprestar cunho sistemático a toda esta teorização, faz-se necessário que o seu desfecho seja alinhavado com o equacionamento das respectivas sanções às atitudes abusivas no exercício dos direitos processuais originados da relação que se forma no juízo criminal. É o que se pretende com este livro.