Nosso tempo parece cada vez mais assombrado por um temor amplo e difuso às sombras do esquecimento. Em uma era destituída de transcendência, em que perspectivas de longo prazo tendem a se esvaziar, o medo de envelhecer se associa à sensação inquietante de perda progressiva da memória, cada vez mais remetida a um funcionamento deficiente das redes neuronais do cérebro. O gesto de deletar não se restringe ao uso cotidiano do computador. Estende-se às relações sociais e interpessoais. Nessa paisagem cultural despolitizante, ergue-se a urgência da filosofia e do pensamento crítico. Neste livro, Maria Cristina Ferraz faz um passeio pelas noções de memória e esquecimento, desde o século XIX até o recém iniciado século XXI. Esta abordagem se enriquece com a retomada do pensamento de dois filósofos que propuseram instigantes visadas sobre essas noções, nas últimas décadas do século XIX: Friedrich Nietzsche e Henri Bergson. Neste início de século XXI, revisitar essas abordagens filosóficas não equivale a buscar supostas verdades sobre o fenômeno da memória. Tem por efeito a ampliação, o fortalecimento do debate acerca da cultura somática atualmente em expansão, difundida midiaticamente e também expressa no cinema e na literatura recentes. Esse trabalho de investigação e reconfiguração histórica da percepção, da matéria e do corpo é aqui realizado com extremo rigor na utilização de conceitos filosóficos e mediante um texto que revigora o prazer da leitura em cada tema abordado. Entre estes, podemos destacar uma excelente análise que a autora faz acerca do filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças, que aborda de forma atualíssima e instigante a problemática da memória e do esquecimento no cenário contemporâneo.