O livro de Celso Pedro Luft é um passeio extremamente agradável, mas contundente, pelos caminhos e descaminhos do ensino e aprendizado das línguas, em particular da portuguesa. Já na sua introdução, no que ele chama de "seu credo lingüístico", Celso Pedro Luft nos envolve em colocações diretas sobre linguagem, língua, idioma, dialetos, gíria, ensino da língua, funções da gramática e outros assuntos afins. Ele nos instiga com posições corajosas e sempre muito claras, isentas da postura distante do catedrático convencional. Sua contemporânea em torno do ensino e do aprendizado pode ser resumida assim: "O uso é a lei soberana em linguagem." Para ele somente o uso ou o costume pode determinar o que é certo e o que é errado e não o veredicto de gramáticos. O autor defende o crescimento cultural antes do lingüístico. "O crescimento lingüístico supõe crescimento humano integral. Ensinar uma língua bonita e elevada à gente que viva à margem da beleza e do pensamento nobre é tempo perdido". Faz distinções entre o falar gramaticalmente correto e o adequado às circunstâncias. "O melhor falante é aquele que, autêntico nas idéias e sentimentos, sabe, em cada situação, entre as variantes idiomáticas, escolher as mais adequadas e eficientes, e as emite com boa dicção e técnica oral". Celso Luft deixa bem claro que a língua oral é a realidade primeira, enquanto a língua escrita é posterior. Afirma que há uma gramática dos cultos e há uma gramática dos analfabetos. "A gramática dos analfabetos é lingüisticamente perfeita e mais evoluída que a gramática dos cultos", radicaliza Luft. Faz uma distinção entre ambas, classificando-as de gramática e Gramática (com inicial maiúscula). Da primeira fazem parte as regras que geram a fala e a comunicação; da segunda, as que disciplinam, registram ou descrevem esse conjunto de regras. Os falantes, antes de estudar a Gramática nas escolas ou nos livros, vão se apropriando da gramática por via auditiva na comunicação cotidiana. O autor vai conduzindo o leitor a compreender o que seja a gramática "ge(ne)rativa", ou seja, aquela que se ocupa do poder de construir frases; aquela que tem a capacidade de criar opções sábias entre as várias possibilidades expressivas de falar e escrever bem. Mas não abandona a gramática estrutural, aquela que se ocupa das frases já construídas. Luft confronta as gramáticas tradicional e moderna. Diz ser a gramática o conjunto de regras que possibilitam a comunicação verbal. Regras documentadas naturalmente nas frases que as pessoas constroem. "Não existe povo, por mais primitivo que seja, por rude que seja, que não tenha gramática. Não terá livros, mas gramática tem. Regras interiorizadas ou internalizadas". Essa é a verdadeira gramática: a natural. A partir da gramática natural é que surge a artificial: observação, descrição, registro escrito e estudo/ensino da natural. Essa gramática artificial só vale como registro daquela. O preciosismo das gramáticas, a exacerbada preocupação com ela, costuma embaraçar e inibir a expressão, que é a base da gramática natural. Essa postura também pode provocar a aversão pelo estudo da gramática. Por isso Luft aborda os métodos utilizados no ensino. Comprovando que a teoria gramatical no ensino médio não é somente inútil, mas também prejudicial, o autor encara a tarefa de propor ajustes nesse caminho do ensino da nossa língua. "Por força de teorias gramaticalmente puristas, não poucas pessoas arrastam pela vida preconceitos escolares que lhes bloqueiam a livres expressão. O aluno massacrado pelo hermetismo de uma matéria criada para iniciados, vai sendo arruinado lingüisticamente", quando, para ele, o verdadeiro saber lingüístico é a eficiência na comunicação verbal, muitas vezes utilizadas pelos grandes poetas e escritores. Convoca, para isso, testemunhos de Manuel Bandeira (o poema "Irene no Céu"), de Nelson Rodrigues, da criatividade explícita de Guimarães Rosa e da poética popular de Roberto Carlos, licenças que, como as gírias, não são muito bem vistas pelos puristas. Afirma que o "domínio da escrita se aprimora ao natural, lendo, lendo, lendo". E questiona: a maioria dos nossos jovens, como lê? Como escreve? E os professores vão ensinando gramática. "Certo o povo ou certo os livros? A hipótese de estar errado o povo (enquanto conjunto de falantes) é, em linguagem, uma impossibilidade". O autor faz um passeio pelo ensino do português para estrangeiros que, tão bem aprendem suas regras, não conseguem se comunicar com o mundo coloquial. É muito normal essa discrepância entre livros, gramáticas e povo. Não é que um esteja certo e o outro errado. Simplesmente falam de coisas diferentes. É preciso que haja sensibilidade suficiente para distingui-las, aceitá-las e aplicá-las. "Erro é o que não existe na língua, o que as regras não viabilizaram". A partir dessas considerações, o autor faz proposições relacionadas ao ensino do português. "Nesse ambiente não se deve aumentar o número de aulas da matéria, mas a qualidade do ensino". O que importa no ensino do português é habilitar os estudantes a manusear o seu idioma com mais eficiência. Capacitá-los a falar e escrever melhor. A vencer a vida por meio da palavra. "São, pois, de primeira importância, as aulas de língua-comunicação, através da recepção e interpretação de mensagens (leitura) e através da formulação e emissão de mensagens (exposição oral e escrita)." É nesse ponto do seu livro que Celso Pedro Luft parte para um "Programa de Língua Portuguesa" para o ciclo básico universitário. E acena para uma reforma ortográfica ampla cujo problema não é reformar letras, e sim reformar a nossa política de educação e cultura. "Será a simplificação da escrita, uma reforma ortográfica radical, a verdadeira solução para o problema do difícil ensino e do mau domínio do idioma nacional em sua modalidade escrita".