Poeta exuberante, ensaísta inquietador, tradutor de alguns poetas intraduzíveis, como Rimbaud, seduzido eternamente pelas múltiplas aventuras do espírito, Lêdo Ivo acumula uma rica obra de ficção, na qual o conto ocupa um lugar à parte, seja pelo volume, modesto em relação ao número de romances, seja pela qualidade dos trabalhos, a novidade, o domínio da técnica, a maestria da linguagem. O contista não desmerece o poeta. Lêdo Ivo estreou no conto em 1957, com A Cidade e os Dias, volume que traz a indicação de reunir crônicas e histórias. Na realidade, são contos autênticos, no sentido rigoroso do termo, e não segundo a classificação elástica de Mário de Andrade, de que conto é tudo aquilo que o autor chama de conto. Em 1961, publicou o segundo e último volume do gênero, intitulado Use a Passagem Subterrânea (1961). Contista do cotidiano, as suas histórias curtas retratam a comédia humana carioca, pequenos dramas insuspeitos (O Flautim), casos de adultério sem remorso (A Viúva e o Estudante), o despertar da sexualidade (Quando a Fruta Está Madura), com um certo desencanto dos homens e da vida, mas com uma confiança decidida no poder purificador da poesia. O desalento com a humanidade alcança uma espécie de auge no belo Natal Carioca, um breve apólogo de sabor agridoce. Os personagens são empregadas domésticas em namoro com guardas municipais (O Amor em Grajaú), aposentados, algumas crianças (a infância ocupa um lugar importante no mundo do ficcionista). A cidade do Rio de Janeiro, onde a maioria dos contos se desenrola, é uma grande presença e, como Machado de Assis, Lêdo Ivo registra com fidelidade os locais frequentados pelas personagens, a confeitaria do largo da Carioca, o teatro Carlos Gomes, e os meios de transporte, obondinho sacolejante de Santa Teresa, os trens da Central, os ônibus congestionados.