Você está diante de um tratado sobre a condição humana. Sem os conceitos de cidadania, sem os capítulos dos direitos humanos, longe das noções de dignidade e busca de um sentido na vida, do direito à moradia, saúde e lazer, a busca da felicidade, enfim. Mas, de qualquer maneira, ainda condição humana, porque é do homem esta capacidade de matar, torturar e sentir prazer no abandono da justiça e na degeneração total de sua consciência. Esse livro tremendo traz na oralidade do seu discurso o desespero do vazio e na iconografia de suas páginas terríveis as fotos de uma total escuridão- mesmo quando há luz e de um registro do Inferno. O nome honrado e digno de Maureen Bisilliat assina a organização da obra, projetando nela as escolhas da sua arte e a bravura de sua disposição para a vida e seus valores. As fotos, prisioneiras de uma grade negra, trazem lances da loucura e da beleza de um Waldomiro de Deus, os sombrios documentos captados pelos fotógrafos do Paris-Match na guerra mundial e na Indochina hoje, Vietnam. Percival de Souza que esteve sempre em contato com a lama humana sem jamais se macular interpola, aqui e ali, conceitos sobre o direito penal e nossos sistema prisional e raciocínios brilhantes de sua inteligência, com a sibilina ironia adquirida em contato com todos nós. As imagens expressionistas acordam os ícones da religiosidade que se apega a Cristo e Maria, cruzes, corações em chama, aos deuses da loucura. São trevas, foco invadido pela desumanidade, pela opressão, pelo trabalho do desespero e pelo rugido das feras. E o pior pesadelo: pairando sobre esse mundo, tomando conta dele, de cada calabouço, de suas grades enegrecidas, dominando cada coração e cada mente - a infinita e impiedosa solidão. O leitor vai folhear uma experiência inesquecível. Vai entrar no Carandiru e, entre outros pânicos, vai acompanhar o massacre dos 111 homens a transcrição oral traz o eco dos tiros, dos gritos, da agonia, do horror. Assim o livro se apresenta como iconografia das trevas, retratos da tragédia do homem. Quanto ao texto, são os reclusos, os detentos que o falam. E são vozes que repercutem com a mesma dor de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos.