Clarice, me dá tua mão.

Tudo parece de novo impossível nesse frêmito de eternidade que é o presente, mas confio na nossa aproximação: aconteceu daquela vez o impensável; adaptar A paixão segundo G.H. para o teatro. Não fui sozinha como você, embora quando estive ali, cara a cara com a barata, era eu mesma, sozinha como um caco de vidro, um cachorro e uma galinha estão sós e cara a cara.

Com o quê?

Consigo.

Eu fui, ao encarnar durante mais de dois anos a G.H. num monólogo para o teatro – adaptado por Fauzi Arap e dirigido por Enrique Díaz –, uma pessoa sem a pessoa que eu era antes para fazer companhia para mim mesma. Fui perdendo as cascas, o invólucro, mergulhando em águas cada vez mais densas e profundas, perdendo o contorno humano, transladei para outra, outro lugar, desconhecido, terrível e maravilhoso, que não eu.

Mas houve as mãos que me ajudaram na travessia.

As suas mãos, Clarice.