Diz-se que a humanidade passa por um novo interstício da História passagem para um novo dia histórico. É tempo de desinstalação perda de parâmetros, de valores, de princípios de ordenamento. Vivemos em estado fluído e maleável. O antigo já não tem a importância que tinha. O passado enfraqueceu seu poder e o futuro se, de certa forma, já veio, ainda não se instalou como um todo. Ai de nós diria Zaratustra. Nesse dinâmico e paradoxal cenário, a ciência parece não estar dando conta de suas próprias criações. Armadilhas a criatura se volta contra o criador? Idealizada para nos proteger e/ou nos fazer "progredir", demonstra não ter antídotos para situações que se radicalizaram, como, por exemplo, os constantes atos terroristas que vitimizam a todos, as discussões abertas no campo da manipulação genética, ou mesmo a quebra cada vez mais acentuada da legitimidade da política e da justiça enquanto instituições reguladoras de pactos sociais, capazes de atenuar as desigualdades entre as nações e entre os indivíduos sociais. Esse contexto acaba por gerar impactos profundos nas percepções e expectativas com relação ao futuro, trazendo à tona, de forma nunca antes vivenciada, uma gama de paradoxos, de ambigüidades e de antagonismos sociais, culturais, econômicos e religiosos que molda o nascente novo milênio. Na crise de todos os fundametos, medram as primeiras experiências de desprendimento do primado e da prepotência da consciência. Na convocação de Nietzsche, começa a descida de Zaratrusta para anunciar ao Último-homem o além-homem. Em última instância, é disto que fala este livro. Um convite a pensar questões paradoxais de nosso tempo. Um exercício para o pensamento. Palavras escritas com letras de sangue, diria Carneiro Leão numa referência ao Prólogo do Primeiro Livro de Assim Falou Zaratustra. Um livro para todos e para ninguém. Passados mais de dois séculos das Revoluções que fundaram a era moderna, novos contornos para antigos problemas e impasses parecem reconfigurar as reflexões, as lutas e as ações frente a um insistente cenário de controle, de dominação e de exclusão social. Diante das desafiadoras questões colocadas, por exemplo, nas discussões pós-colonialistas, na luta pela desestigmatização dos deficientes, nos enfrentamentos travados pelo movimento quer, nas questões étnicas ou de gênero sintetizadas nas políticas de ação afirmativas ou políticas de discriminação positiva, emergem pleitos de mudanças. Dialogando com essa perspectiva, a temática central deste livro é investigar em que medida os conceitos de tempo e de justiça, expressos nos discursos das chamadas políticas afirmativas, mais especificamente na política de cotas, podem ser compreendidos como um sintoma contemporâneo que parece incorporar culpa e sofrimento como elementos de consumo, como elementos de mercado. Objetiva, também, perceber neste trajeto paradoxos postos ao homem em sua existência contemporânea. Estes limites, porém, não são vistos aqui como estáticos ou terminais, mas como parte de fluxos capazes de subverter percursos ideologicamente determinados, por meio do enfrentamento deste e de outros temas tabus na velada e cínica convivência fraterna entre nós e os outros.