São Caetano do Sul, 1956. Aparições demoníacas tumultuam uma grande fábrica. Durante vários dias, operárias do setor de encaixotamento de ladrilhos da Cerâmica São Caetano S.A. desmaiam ao longo da jornada. Ao acordar, alegam ter visto o senhor dos infernos espreitando-as de um canto do imenso salão. O caso e seus desdobramentos foram acompanhados de perto por um adolescente que à época trabalhava na empresa como office-boy. Mais de cinqüenta anos depois, a testemunha - o ex-office-boy e agora professor José de Souza Martins - rememora e reconstitui a cena lançando mão das ferramentas adquiridas no seu longo percurso de estudos, que o levaram até a livre docência na cadeira de Sociologia na USP: com um método de análise que combina impressões íntimas e investigação sociológica convencional, pesquisa "artesanal" e científica, esmiúça o antigo episódio para expor seus significados mais profundos: as estratégias do imaginário coletivo frente às investidas da alienação social. Além desse ensaio que lhe empresta o título, este volume reúne uma série de textos resultantes dessa abordagem singular: "A gestação do ser dividido: a ferrovia e a modernidade em São Paulo", "Subúrbio e periferia, antinomias do urbano" e "Odores, sons e cores: mediações culturais do cotidiano operário". Em todos, a combinação precisa e sensível entre memória subjetiva e análise objetiva, entre prosa sociológica e memorialista, propicia um mergulho na vida cotidiana dos bairros operários do ABC paulista, em suas pequenas grandes histórias extremamente reveladoras. Fechando o volume, um ensaio que indaga o próprio fazer da sociologia, seus sujeitos e objeto, e propõe novas maneiras de articulá-los.