A extraordinária filosofia do corpo desenvolvida por Maine de Biran nos primeiros anos do século XIX é tributária de um trabalho fenomenológico prévio: se o corpo é subjetivo, sua natureza depende daquela da subjetividade. Enquanto esta última permanecer presa aos postulados do pensamento clássico, que serão ainda os da fenomenologia contemporânea, enquanto a "consciência" se resumir na representação, na intencionalidade ou na Transcendência do Ser, o corpo será atravessado por essa deiscência na qual se desfaz de seu poder: o de agir, de ser uma força. A partir de uma concepção inteiramente nova - não grega - da fenomenalidade do corpo, Maine de Biran produziu descrições admiráveis de sua constituição, bem como de sua representação no corpo objetivo - descrições que remetem, todavia, a um Corpo original, não constituído, que se identifica em nós com a essência da vida. Único herdeiro do cogito perdido de Descartes, Maine de Biran não é um precursor da fenomenologia histórica: ele propunha um programa diferente, cuja pertinência e fecundidade nos é possível perceber hoje.