Nos últimos trinta anos, gran­de parte dos avanços ex­traordinários em nosso conhe­cimento do passado brasileiro, sobretudo no período escravista, vem de pesquisas nos arquivos judiciários. Duas séries de docu­mentos nesses acervos têm sido especialmente exploradas, po­rém em geral separadamente: os processos-crime e os inventários post-mortem de propriedades para efeitos de herança. Este estu­do de Maíra Chinelatto Alves, en­focando assassinatos de senhores por escravos em Campinas, inova pelo cruzamento dos dois tipos de documento.Aproveitando-se do fato de que cada morte violenta de pes­soa de posses normalmente gera as duas fontes e, portanto duas perspectivas complementares so­bre o mesmo evento Alves nos oferece sete micro histórias im­pactantes de confrontos entre senhores e cativos. Situadas na década de 1840, quando os traba­lhadores na senzala eram predo­minantemente da África Central, e na de 1870, quando a maioria dos mesmos havia nascido no Brasil, essas histórias retratam dois momentos na construção pelos próprios escravizados de uma ideia de direitos isto é, de limites à prepotência senhorial que os proprietários não podiam transgredir sem correr grande perigo. Contados com maestria narrativa e vigor analítico, os ca­sos abordados aqui, ao rés do chão, iluminam a história social mais ampla das últimas décadas do escravismo.