Durante a sua última década produtiva, a de 1880, Friedrich Nietzsche acumulou uma enorme quantidade de anotações que serviriam de base para um livro abrangente, mas que só vieram à luz postumamente. O agravamento de seu estado de saúde impediu que o projeto chegasse ao fim. Elizabeth Förster-Nietzsche, sua irmã, e Peter Gast, seu dileto amigo, organizaram esse acervo e o publicaram em duas edições. A versão mais completa - tal como aparece na décima terceira edição da Kröner - serviu de base para esta primeira edição brasileira de A vontade de poder, tal como explicam Marcos Sinésio Pereira Fernandes e Francisco José Dias de Moraes na nota sobre a tradução. O filósofo deixou planos para a organização dessa obra que não pôde completar e chegou a agregar subtítulos que assinalam a sua ambição: Tentativa de uma transvaloração de todos os valores e Tentativa de uma nova interpretação de todo acontecer. Em abril de 1884, escreveu a um amigo: "(...) pretendo empreender uma revisão de minha metafísica e de meus pontos de vista epistemológicos. Passo a passo, tenho agora que atravessar uma série de disciplinas, pois me decidi, daqui para diante, empregar os próximos cinco anos no acabamento da minha ‘filosofia’, para a qual construí uma antecâmara com o meu Zaratustra." A questão da autenticidade dos textos já foi superada, mas nunca saberemos como o próprio Nietzsche os organizaria se tivesse redigido a versão definitiva. Por isso, escreve Gilvan Fogel na apresentação: "É preciso que vejamos tal obra [A vontade de poder] como uma rica antologia de textos nietzschianos tardios. Diria Nietzsche, dardos, flechas lançadas contra nós, a nós... Que dardos! Que flechas!" E prossegue: "A década de 1880, na vida de Nietzsche, constitui o período de maior lucidez, de maior intensidade de seu pensamento - de maior poder. É quando seu pensamento está mais afinado com a gravidade de sua tarefa e mais afiado para sua consecução. Essa lucidez coincide com a cunhagem do pensamento ‘vida como vontade de poder’." A obra que aqui traduzimos oferece, pois, a possibilidade de se descortinar o pensamento do filósofo em seu período mais maduro, mas nela esse pensamento não está acabado e sistematizado. Aparece sob a forma de 1.067 fragmentos - textos curtos, parágrafos, aforismos - que mostram suas idéias tal como surgiram, quase sempre perturbadoras e freqüentemente geniais.