A velhice pode muito bem ser vista como o que Simone de Beauvoir chama de irrealizáveis sartreanos. Em vista disso, o que ocorre é que só é possível mirá-la quando está presente em um outro. A própria velhice passa a ser objeto inalcançável, pautados na ilusão de que o passar dos anos não acabará por presentificá-la. Assunto impertinente, incômodo e desagradável. No entanto, o escritor colombiano Gabriel García Márquez nunca foi um de desviar-se de pautas incômodas, habituado como esteve a lidar com a aridez e também com o encanto de uma América Latina que exerceu seu fascínio sobre ele até seus últimos dias. Em sua obra Memória de minhas putas tristes, o autor nos apresenta um protagonista às vésperas de completar noventa anos, e que se vê às voltas com grandes questões que assolaram a humanidade desde tempos imemoriais: Como reconhecer-se a partir de uma imagem que está em constante mutação? Como responder às frustrações de um corpo que comporta-se de modo aquém do que é dele esperado? Como seguir sentindo-se parte integrante da malha social em uma sociedade que preza pela inovação e produtividade incessante, valores incongruentes com as transformações da velhice? Como lidar com a ameaça e o medo da morte? Assim, é tomando o livro de Márquez como objeto que a autora debruça-se sobre essas questões, igualmente incômodas, buscando compreender a relação de um sujeito com seu corpo em todas as esferas que lhe dão forma. O corpo, sustentáculo da identidade, fonte de satisfação e também frustração, é imagem viva que reflete, a um só tempo, as dominações a que o sujeito se submete e seu potencial de resistência. Muito além de um invólucro, o corpo que nos apresenta Márquez e que é analisado a fundo neste livro, trata-se de um meio e um modo de existência no mundo.