Numa casa à beira-mar, todos os personagens sofreram algum tipo de perda. Como esquecer (anotações quase inglesas), título que revela a anglofilia da autora, Myriam Campello, é o mapa desse emocionante percurso interior que se acompanha como uma aventura em mar aberto. Duas mulheres formam o par amoroso central que se desfaz e deixa todo um deserto de lembranças e sofrimentos. No texto corre a dramaticidade de desilusões e perdas, misturadas com referências à Inglaterra por toda a narrativa, como o casal Catherine e Heathcliff do clássico de Emily Brontë, O morro dos ventos uivantes. O que nos faz relacioná-lo à intensidade da personagem, tanto na forma de amar como de sofrer. Da mesma forma como no relacionamento do casal há uma dependência, ao ponto de Catherine afirmar que é Heathcliff, na obra, há também esse sentimento entre Júlia e Antônia. Através da narrativa da protagonista Júlia, somos envoltos por um emaranhado de lembranças sofridas e nostálgicas que, na maioria das vezes, são carregadas de um humor sarcástico - Quando alguém diz eu te amo para sempre, tenha certeza que você só tem uma opção: acreditar, babaca. Eu acredito em amor eterno, Papai Noel, coelhinho da Páscoa e que todo sofrimento tem fim - Conformada com a dor, passa a ironizá-la e a tratá-la como parte comum de sua vida. Pelas páginas desse romance, Júlia vai divagando sobre seus medos, suas dores e tentativas de esquecer um amor. Tentativas de se sustentar pelas próprias pernas, sem depositar sua vida no outro. Embriagada pelas lembranças, a personagem vive, muitas vezes, ausências da realidade, pega-se flutuando fora do mundo ao seu redor. Ela vive a constante busca de sua liberdade: esquecer e expulsar definitivamente da memória aquela que a abandonou. Júlia compartilha com seus amigos o seu sofrimento. Personagens tão complexos quanto Júlia, que também perderam pessoas importantes, cada um de uma forma. Suas ações e reações estão muito próximas de nós. São todos convocados a olharem para dentro deles mesmos e a conhecerem-se a si mesmos, numa tentativa de vencer o caos, sejam quais forem as combinações afetivas. O texto cola a palavra ao complexo ato de viver e transformar-se em pura criação literária. É esta quem reina soberana e que faz a leitura desse romance um sofisticado prazer. A experiência da perda comum a todos, a serviço de um estilo inconfundível, torna o livro impossível de esquecer.