O que torna Roberto DaMatta uma figura ímpar na comunidade acadêmica é sua corajosa opção - feita no início da carreira - de também ser gente. Explicando melhor: é um intelectual que não se refugia por trás do cientificismo supostamente isento e inquestionável, e, ao contrário, dá sua cara a tapa ao oferecer a própria visão dos fatos, assumindo inclusive as possíveis limitações decorrentes desta opção. Pois, como deixou claro em Relativizando: uma introdução à antropologia social [Rocco, 2000]: "Mesmo correndo o risco de ser incompreendido, seguirei a trilha da experiência concreta e, mais, da experiência pessoal." Foram precisamente esta sua admissão do lado "humano, demasiado humano" do cientista e a ausência do temor em ser pessoal as características que tornaram sua obra tão inovadora no âmbito acadêmico e tão atraente para o público em geral. Quando trata do jogo do bicho, por exemplo, começa evocando a lembrança da avó, que o introduziu no universo das águias, burros e borboletas, quando fala de música, lembra sempre das músicas tocadas ao piano pela própria mãe. Assim, sem descurar do estofo científico, confere aos seus textos a indispensável dimensão humana capaz de permitir a empatia do leitor. Notícias da América segue este padrão, apresentando uma visão crítica dos Estados Unidos que oscila entre o ensaístico e o memorialístico. Este livro, escrito durante as quase duas décadas que Roberto DaMatta morou nos EUA, congrega textos publicados em importantes jornais nacionais, entre os quais: O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Folha de S. Paulo. Dividindo-se entre os dois países, na posição de espectador privilegiado, o autor percebeu com fina argúcia o melhor e o pior de ambas as culturas, suas concordâncias e dissonâncias, seus contrastes e paralelismos, suas compatibilidades e estranhamentos. Seu maior mérito nestes artigos - alguns, crônicas nostálgicas e confessionais, outros, verdadeiros miniensaios - foi o de ter utilizado sua sólida bagagem acadêmica com absoluta parcimônia, apelando para o instrumental antropológico e sociológico apenas para iluminar com maior precisão um ou outro ponto mais obscuro. Ao se firmar como um atento observador da sociedade norte-americana, Roberto DaMatta afirma-se como um verdadeiro "americanista", no sentido em que existem os brazilianists. Por sinal, a preocupação em relacionar a sociedade brasileiras e norte-americana é antiga no autor, que já em Carnavais, malandros e heróis (datado de 1978) havia efetuado paralelos entre o carnaval carioca e o de Nova Orleans, bem como entre a visão brasileira (mais estática e permanente) de casa e a norte-americana (mais provisória e móvel). O fascínio por Alexis de Tocqueville (1805-1859) - autor do clássico Democracia na América - também é antigo em DaMatta, que enxerga no influente pensador francês mais do que um mestre, um verdadeiro "irmão espiritual".