Charles Sanders Peirce (1839-1914) e Karl Raimund Popper (1902-1994) são dois dos mais importantes filósofos dos últimos séculos, e a reflexão de ambos sobre a ciência apresenta importantes pontos de convergência. Peirce desenvolveu uma obra gigantesca e, infelizmente, ainda pouco conhecida, com muitos trabalhos ainda não publicados, mesmo quase cem anos após sua morte. Do que já foi publicado, descobre-se um filosofia digna em magnitude de grandes mestres como Aristóteles e Kant. Foi ele quem trouxe para a filosofia da ciência a ideia de falibilidade, desenvolvida também no século XX por Popper, embora aparentemente sem conhecimento suficiente da obra de Peirce. Uma ciência falível, imprecisa e em evolução se contrapõe à ideia de ciência como conhecimento universal e necessário, que dominou os pensadores modernos. Mas a falibilidade implica o realismo. Se as teorias científicas preveem os acontecimentos e falham, é porque tocaram na realidade das coisas, pois é só aí que o erro pode se mostrar. O realismo, porém, faz parte de um denso debate metafísico, que perpassa os séculos. O século XX, com sua aversão à metafísica, não foi um período propício para a afirmação dessa tese. Popper, filho desse tempo, teve dificuldade para fundamentar sua teoria sem a parte metafísica exigida. O mesmo não se deu com Peirce, cuja teoria se encontra muito bem montada num sistema muito mais completo. O diálogo não havido entre os dois, e que o presente trabalho procura suprir, permite uma estimulante releitura desses temas, apontando para debates imprescindíveis para a filosofia do século XXI.