A Solidão do Diabo, de Paulo Bentancur, traz 59 histórias fortes e surpreendentes nas quais as fronteiras morais são transgredidas com uma perigosa suavidade, entre o lírico e o lancinante, atingindo um raro resultado: a implacável serenidade filosófica de quem sobreviveu e não conta seus mortos. Os conceitos pelos quais transitamos cotidianamente, numa quase confortável sobrevivência, vão caindo. No lugar deles, uma resistência nova - resposta despida de qualquer fantasia e, paradoxalmente (e aí reside seu impacto maior), a entrega completa a uma realidade sem promessas. Nesse quadro quase apocalíptico (e, no entanto, intensamente humano), mistura-se a busca literária, em sua riqueza máxima da expressão verbal, com o entendimento de corações e mentes que chega às raias da auto-expiação. Nas narrativas de Bentancur, enquanto os grandes monstros se revelam patéticos, as pequenas coisas mostram seu lado aterrador. Dividido em duas partes, Febre e Frio, A Solidão do Diabo reúne contos que, nas palavras de José Castello, "tratam da penosa relação entre a ilusão e a Incluindo narrativas desconcertantes como "A Bíblia II", no qual dois amigos descobrem a existência de um novo livro sagrado, e "Convocação", que tem como personagem um vendedor de bilhetes que implora para ser morto diante de um condomínio de luxo, A Solidão do Diabo é, como bem disse Scliar, um imperdível "banquete literário", composto por 59 histórias repletas de imagens e situações perturbadoras, tocantes, inesquecíveis. Que a 60ª seja a aventura do leitor diante dessa obra admiravelmente infernal.