Nos Diálogos, não há questão mais complexa que a questão da alma, pois qualquer outra a implica, de modo que, para Platão, fazer abstração dela é tornar qualquer problema insolúvel. Ela é o liame interno que impede à psicologia, à ética, à política ou à cosmologia platônicas constituir-se em domínios autônomos: todas as coisas se encontram amarradas, pois tudo converge para a alma e se inscreve nela. A vida, o pensamento, o próprio mundo tiram de uma alma seus movimentos, mas a alma humana é capaz de se orientar para certos objetos ou afastar-se deles, e a partir disso se constituem suas múltiplas paixões e ações. Ela possui um poder de autoquestionamento – conhecimento de si – e desconhecê-lo é condenar-se a uma vida insensata. Nesse sentido, não é a liberdade da escolha que é um problema para Platão, mas a inteligibilidade dela, e só os mitos permitem ver o mais incompreensível: a escolha que os homens fazem de não compreender aquilo que escolhem, nem por que o escolhem.