A retirada de um tumor do cérebro de uma mulher se embaraça, nesta narrativa, com o criminoso desastre de automóvel sofrido por outra: águas me cercaram até a alma, o abismo me rodeou, e as algas se enrolaram na minha cabeça. É como se, pelos hábeis dedos do neurocirurgião (que alinhavam o fio de acaso entre ambas), suas histórias se enredassem, se enovelassem, a ponto de compor este romance de vidas, essas 36 Linhas que as costuram. Enquanto a segunda mulher (vítima de lesão medular) perde a mobilidade, a outra (recuperada, com a potência do seu sopro vital) lhe cede a voz, e, com ambas as mãos, juntas, constroem a muralha da sua resistência e do seu alerta ao mundo. Mas não suponha o leitor que este é um livro de autoajuda. Ao contrário, trata-se de um volume que pede ajuda! E é de tudo que o romance se compõe: de pedras, pedacinhos, retalhos, atalhos, desenhos de todos os tipos pedregulhos. É um Muro de Lamentações onde, em cada interstício entre as palavras, um a um dos componentes desse enredado acontecimento enfia (esconde?) o seu minúsculo papel, a sua mensagem, o seu recado, o seu pedido, a sua prece: o seu enigma. Todos interligados (marrados entre si como num cipó de floresta amazônica no mesmo Shoah. Daí o hibridismo desta obra, composta por toda a sorte de contribuições ficcionais, que pedem auxílio e apelam para que sejam preenchidas com o que o leitor puder lhes achegar com o cimento da sua experiência. São narrativas de lendas, de cenas dolorosas; diálogos internalizados, matéria jornalística, relatórios; improvisações jazzísticas, poemas; entrevistas, suposições, depoimentos; notas ao pé da página, filosofia, história, crítica social, psicanálise, literatura; religião.